8.9.11

Lições islandesas

Por Rui Tavares

QUASE NINGUÉM deu por isso, mas a Islândia abandonou com sucesso o seu programa com o FMI — depois de ter feito quase tudo ao contrário do que deseja o nosso governo em Portugal. Mas atenção: também a política islandesa é o contrário de tudo o que é a política portuguesa.

Em maio passado ouvi o ministro das finanças islandês, Steingrímur Sigfùsson, explicar como tinham sido as negociações com o FMI. “Disse-lhes: nós éramos um país da família escandinava, de bem-estar social, e nos últimos anos entrámos numa deriva louca para um capitalismo desregulado, de tipo anglo-saxónico, que acabou por levar o país à bancarrota em menos de uma semana. O que nós queremos agora é ver-nos livres do FMI o mais depressa possível, para voltar à nossa família original”.

Praticamente inconcebível era aquele ministro das finanças ser também o líder da Esquerda Verde — o equivalente, na Islândia, a uma mistura entre o Bloco de Esquerda e o PCP de Portugal.

Por aquela altura em Portugal, recorde-se, ambos estes partidos se tinham recusado a ir a uma mera reunião com a troica — e no entanto estava ali um presidente da Esquerda Verde, aliada no governo à Aliança Social-Democrata (que seria um equivalente ao PS português), contando-me como tinham sido as suas negociações com o FMI. E que respondeu o FMI? “Que fizéssemos como quiséssemos, desde que puséssemos os indicadores orçamentais em ordem e pagássemos o empréstimo”.

Esquerda Verde e Sociais-Democratas arregaçaram as mangas e aplicaram praticamente uma contra-receita do que nos está a acontecer. Começaram por uma reforma fiscal a sério, fazendo os ricos pagar muito mais impostos. Criaram taxas sobre a poluição. Depois sim, tiveram de fazer alguns cortes, mas assim foram mais limitados e legitimados.

O resultado é que a Islândia, onde os bancos tinham estourado dez vezes a economia do país, o desemprego decuplicado e a moeda caído sessenta por cento, conseguiu dar a volta à crise com um mínimo de injustiça — e sair por cima.

Aqui há tempos, nos círculos de esquerda e não só, a Islândia era muito falada por se ter recusado, em referendo, a pagar uma parte da dívida dos bancos nos termos que lhes eram exigidos internacionalmente. Falou-se em Revolução Islandesa e apresentou-se o seu caso como uma lição.

Houve sim uma Revolução Islandesa, mas as lições são três: económica, política e cívica.

A primeira é que a heterodoxia económica saiu vencedora. As contas foram postas em ordem, com mais justiça, e com mais eficácia.

A segunda é que não pode haver heterodoxia económica sem heterodoxia política. Se queres romper com o pensamento único da austeridade, vais ter de romper com a tirania do purismo esquerdista. Numa situação destas, qual é a prioridade: manter os velhos hábitos ou correr riscos para salvar o país? A esquerda islandesa, menos sabichona, tem uma resposta. A portuguesa, certamente muito mais pura, tem outra. Eles estão no governo e mandaram o FMI para casa. Nós vamos gemer sob a aliança Passos Coelho-Portas. Enquanto a esquerda se canibaliza, a austeridade canibaliza o povo.

A terceira lição é ainda mais importante. Os cidadãos islandeses não deixam mais nenhum governo, nem sequer este, safar-se com qualquer medida — daí os referendos. A Islândia passou por um enorme despertar cívico. Em quase todas as livrarias islandesas vi à venda um livro sobre política, com uma frase de Platão escrita na capa. Era esta: “o castigo por não quereres participar na política é acabares governado por pessoas piores do que tu”.

In RuiTavares.Net

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1 Comments:

Blogger Luís Bonito said...

Quando leio artigos sobre o sucesso da Islândia não posso deixar de admirar esse povo pelo que está conseguindo.
Mas gostaria de relembrar uns pormenorzinhos que quase não são referidos sobre a Islândia:
- a Islândia só tem 400 mil habitantes, dos quais metade vive concentrado na capital Reykjavik;
- têm bastante energia geotérmica;
- têm muita produção de batata;
- têm pesca e turismo.
Ou seja têm comida e energia. Talvez por isso puderam mandar o FMI às urtigas...

9 de setembro de 2011 às 15:07  

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