20.9.11

Onde estamos

Por Rui Tavares

QUALQUER pessoa com uma noção de história, e que olhe para a União Europeia agora, tem razões para estar receoso. Enfrentamos uma tripla crise: económica e social em alguns países da zona euro, na sequência da subida em espiral das taxas de juro da sua dívida; em segundo lugar, temos a insolvência não-assumida em bancos da Europa central (só a nova diretora do FMI pôs o dedo na ferida num discurso recente, pois pode agora dizer em voz alta aquilo que calava antes, como ministra das finanças da França); por último, mas não menos importante, temos a quase total paralisia política no seio da União.

Vou tentar ser cauteloso: estas três coisas juntas não costumam dar bom resultado. Uma bancarrota da Grécia, cada vez mais possível, desencadeará o pagamento dos famosos credit default swaps sobre a sua dívida. Só que ninguém sabe quem detém esses swaps, nem quem os deve pagar — lembrem-se que foi isto que levou à falência da seguradora AIG logo a seguir à falência do Lehman Brothers (a primeira falência não é importante por si, mas pela cadeia que inicia). Quando isto nos rebentar nas mãos, ninguém que tenha prestado atenção ao que se passou nos últimos dois anos acreditará que a União Europeia — as suas instituições, e os Estados-membros que a compõem — consiga reagir a tempo.

O que acontecerá agora eles não sabem — e isso vê-se-lhes na cara.

O mais frustrante de toda esta história, desde o início, é que as coisas que teriam funcionado no ponto A da crise podem já não funcionar no ponto B. Se a diferença entre os juros italianos e alemães continuar a fazer a espargata, os fundos de estabilização não terão escala. E se a França perder a sua notação máxima, os eurobonds, que aqui tenho defendido, poderão não começar com notação máxima e perder a sua eficácia. Há coisas que têm de ser feitas a tempo. Mas a UE parece não saber o que significam duas palavras que toda a gente conhece: “demasiado tarde”.

(Um parágrafo sobre a austeridade. Não duvido da fé com que algumas pessoas a propõem, mas ela simplesmente não funciona, ou pior: cria um problema maior do que o inicial. A Grécia está a descobri-lo dolorosamente agora, e nós vamos descobri-lo daqui a um ano.)

A UE é agora como um archeiro que descobre que já não tem flechas na aljava.

Neste momento, uma das poucas ideias que nos resta é a da “modesta proposta” do economista grego Yannis Varoufakis e do ex-funcionário da Comissão Stuart Holland, que trabalhou com Delors. Em resumo ela significa emitir dívida diretamente pelo Banco Central Europeu (chamemos-lhe €bonds) que tem a vantagem de não ser mutualizada, o que a fará mais aceitável na Alemanha. Estes €bonds poderiam ser trocados por dívida soberana e complementados com os títulos do Banco Europeu de Investimentos para finalmente dar início ao “plano Marshall” de que as nossas economias e as nossas populações desempregadas tanto precisam. Os autores da proposta garantem que ela é realizável com os atuais tratados e com o mandato do BCE.

Essa proposta resolveria as duas primeiras crises com que comecei esta crónica. Para resolver a crise política, precisamos de uma proposta mais ambiciosa: usar as eleições europeias de 2014 para eleger o primeiro-ministro da União Europeia, e acabar com a “duetodura” franco-alemã.

Este é um caminho de curto prazo, primeiro, e médio prazo depois — como manda o senso comum. Mas os atuais líderes insistirão na austeridade de longo prazo e na paralisia de sempre, à espera de um milagre. Teremos sorte se não provocarem uma crise medonha que será lembrada por muitas gerações.

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