5.10.11

O telefone do dr. Macedo

Por Baptista-Bastos

MIGUEL Macedo, ministro da Administração Interna, disse ao Correio da Manhã que, todos os dias, o seu telefone escorre sangue. A metáfora é perturbadora, mas revela o estado de espírito do governante em relação ao crescendo de violência que assola o País. Pena é que ele não experimente desenvolver as causas, sobretudo sociais, determinantes deste fenómeno. Portugal não é caso único. Parece que o mundo entrou nos domínios da loucura, nos quais o respeito pelo humano e a preservação dos velhos laços relacionais são espezinhados sem clemência.

Mas há uma pergunta que se impõe: o mundo alguma vez foi diferente? O conflito entre o poder e a moral não resulta de os homens, a priori, serem ou não bons ou maus. A reconhecermos a afirmação de Ortega, o homem é o homem e a sua circunstância; quer dizer: o homem é o homem, a sua formação, e o ambiente político, social, ético, cultural em que se desenvolveu - talvez possamos admitir que esse homem só se responsabiliza consigo e com a sua família.

No actual estado das coisas, Miguel Macedo pouco mais pode fazer do que servir-se de metáforas. Ou demitir-se, acaso a sua indignação não se coadune com o sistema. A contradição reside no facto de ele defender esse sistema, o qual expõe, cada vez mais, situações totalitárias, através de uma democracia de superfície.

Uma sociedade de violência produz a violência na sociedade. É evidente que ninguém sabe para onde caminha a realidade, embora as pistas de que dispomos sejam suficientemente claras e permitam que tenhamos facilidade em as decifrar. Contudo, este arquétipo parece subtraído à discussão, e admitido como insubstituível. Há outras alternativas; e a liberdade e a violência são incompatíveis, conquanto nos queiram fazer acreditar o contrário. A humanidade e a solidariedade continuam a ser ideias reguladoras, independentemente das amolgadelas consentidas pelos partidos que as ignoram.

A declaração de Miguel Macedo não representa, apenas, uma demonstração de impotência: é a verificação de um facto, que ele irá (ou não) gerir com as contrariedades inerentes às funções e à política em que acredita. O telefone do ministro escorre sangue todos os dias. A declaração não coexiste com a nossa tranquilidade. E confirma que a decomposição da sociedade portuguesa é acentuada. Será irreversível? Temos de nos habituar a viver neste ambiente, com o crime e a barbárie associados ao novo paradigma. Temos?

«DN» de 5 Out 11

Etiquetas: