19.11.11

A Assembleia e a Luz

Por Antunes Ferreira

CADA VEZ mais a vida política nacional tem mais piada, nomeadamente a nível parlamentar - ainda que, por vezes para lamentar. A memória é curta, praticamente para cada um dos cidadãos lusos. Por isso, sabe bem recordar, por exemplo, o soneto delicioso da Natália Correia em resposta ao deputado João Morgado do CDS que defendera que o acto sexual devia ser só para ter filhos.

Já que o coito – diz Morgado
tem como fim cristalino
preciso e imaculado
fazer menina ou menino
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca
temos na procriação
prova de que houve truca-truca

Sendo só pai de um rebento
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou – parca ração! –
uma vez. E se a função
faz o órgão, diz o ditado
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Mas também sabe bem relembrar a cena que ficou para os anais do legislativo português, em que o então ministro da Economia, Manuel Pinho, fez com os dedos na testa a insinuação de um par de cornos. Isso valeu-lhe a demissão do Executivo chefiado por José Sócrates. Situações deste calibre houve muitas em São Bento, durante a Primeira República. As gargalhadas que ecoavam pelo hemiciclo significavam que o riso também fazia parte da política. E oxalá continue a fazer.

No início da semana, durante a sua audição nas Comissões Parlamentares de Orçamento, Finanças, Administração Pública, Economia e Obras Públicas, a propósito do Orçamento do Estado para 2012, o ministro Álvaro Pereira declarou, de manhã, que o ano que vem iria marcar certamente o fim da crise. Mas, da parte da tarde, explicou que o que ele quisera dizer era o início do fim da crise.

Ao que o deputado do PS Paulo Campos respondeu que «não estamos no fim da crise, o senhor ministro é que está no fim da sua carreira». E sugeriu-lhe que fizesse um favor aos portugueses: demitir-se, que eles lhe agradeceriam a decisão. E reforçou as suas afirmações dizendo-lhe para fazer - a fim de alcançar tal objectivo - da bancada governamental um gesto feio, ainda que, obviamente, não citando o de Manuel Pinho.
Estes trotes parlamentares dizem muitos que são o sal da Política. Mas temperos ou condimentos deste quilate só originam o esturro dos cozinhados, o descrédito dos cozinheiros, o desalento e o protesto dos clientes consumidores. Significam, na verdade, que está o caldo entornado.

E, de repente, no meio do descalabro da política à portuguesa, no meio dos cortes de subsídios, no meio dos aumentos do IVA, dos transportes, da reverência à troika, do que quer que seja, eis que o povo se levanta e repete o hino nacional com um entusiasmo que não se via há muito tempo. Noutro comprimento de onda, é certo, mas dando à lusa gente alegria e risos, palmas e brados, ondulação das bandeiras verdes e vermelhas.
Na Assembleia da República? Claro que não; no estádio da Luz, com os 6-2 com que a equipa nacional brindou a congénere da Bósnia-Herzegovina. Contra os bósnios, marcar, marcar! Cristiano Ronaldo foi o principal herói da noite, heróis foram todos os jogadores, herói foi o treinador Paulo Bento, foram os adjuntos e, por um bocadinho, até esteve para ser Gilberto Madaíl.
Valha-nos isso, para nos lembrarmos de quem somos e de que ainda sabemos a Portuguesa.

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8 Comments:

Blogger 500 said...

"...ainda sabemos a Portuguesa", diz. Não sei, não. O Veloso não costuma sequer arremedar, contrariamente ao Pepe, que parece um português transmontano (ou beirão, ou minhoto, ou assim).
E sorte tivemos com a rapaziada a qualificar-se pra o Euro/2012. Esperemos que durante o próximo mês de Junho o pessoal não pense nas misérias que se adivinham atormentarem-nos então e possamos cantar o Hino no final do mês, sem subsídio de férias nem nada.

19 de novembro de 2011 às 18:18  
Blogger Maria said...

AF
Poucos conhecem a letra e o seu significado. A música cai no ouvido, é bonita mas, se reparares, há muitos mais a trauteá-la, do que a dizer os versos.
Gostava mais de a ouvir, noutros locais e circunstâncias.
Lembro-me bem do soneto da Natália. Aquela não tinha papas na língua e era uma grande poetisa.
Que nunca a voz te doa, amigo.
Maria

20 de novembro de 2011 às 15:13  
Blogger José Batista said...

Ora bolas.
Lá vou eu meter aqui a colherada. Conheço o poema de Natália Correia desde que ela o compôs. Mas nunca o tive por soneto nem tinha ouvido ninguém classificá-lo como tal.
Ou eu nunca soube o que é um soneto ou o soneto deixou de ser o que era.
Por isso, gostaria de ser esclarecido, caso esteja errado, ou então contribuir para que não se propague alguma incorreção a partir de agora.
Não que a matéria fosse algum drama para o mundo. Mas, mesmo assim...

20 de novembro de 2011 às 22:46  
Blogger Unknown said...

José Batista

Deve ser da idade (a pdi) ou parvoíce minha. Não se trata evidentemente de um soneto. Nem vale a pena corrigir, creio, tal a enormidade da asneira. Mas, um erro é um erro; pequei. E muito obrigado pela chamada de atenção

Uma asneira custa muito mais
quando se dá pelo que se fez
quando se pensa que os demais
não dão por um erro em Português

Neste caso meti uma argolada
mas reconheço que foi asneira
Há horas em que a vida é tramada
Sábado, domingo e qualquer feira

Porém com a mão na consciência
dou a minha mão à palmatória
de tal modo se trata de evidência

Peço a todos uma simples moratória
pois devia saber que a ciência
falhada não me leva à glória...


Penso que isto finge que é um soneto...

20 de novembro de 2011 às 23:05  
Blogger José Batista said...

Caro Antunes Ferreira:

O seu lapso não tem importância nenhuma.
Eu tinha para mim que não passava de um simples lapso.
Mas ainda bem que o cometeu, tendo em vista o modo como se "penitenciou".
É muita dignidade e muita qualidade humana.

Por isso lhe queria deixar um grande e sincero abraço.

21 de novembro de 2011 às 08:46  
Blogger Julião Tendinha said...

Já aqui devia ter vindo à mais tempo, mas ainda chego a tempo para dizer que este Ferreira devia levar com um pano enxarcado em m... nas trombas. E quem lhe dá guarida também. O homem já não se lembra de Aljubarrota e se calhar nem sabe o que foi. Nem de 1640 nem doutros momentos importantes da nossa História.

E o Batista a elojiá-lo. Cambada. Anda tudo ao mesmo.

22 de novembro de 2011 às 12:43  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Pela parte que me cabe, quando me atirar com o pano encharcado retribuo com um prontuário da Língua Portuguesa, para ver se me poupa a coisas como o «à mais tempo», o «enxarcado», o «elojiá-lo»...

22 de novembro de 2011 às 14:35  
Blogger José Batista said...

Ó Tendinha,

Tenha termos, e alguma calma, que isto é tudo gente de bem. Acredite. Se Antunes Ferreira e eu o incomodamos, lamento.
Pela minha parte continuarei a vir aqui. Habituei-me. A não ser que Carlos Medina Ribeiro me convidasse a ir "arejar"...
E se somos uma "cambada", no seu critério, porque se dá ao trabalho de ler o que escrevemos?
Beba chá, talvez, se entender que tem algo em falta...
E, olhe, pela minha parte, nem precisa pedir desculpa.

22 de novembro de 2011 às 20:23  

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