29.11.11

Gostava de Acreditar

Por Maria Filomena Mónica

POR VEZES, há coincidências que espantam. Hoje, dia em que estou a escrever, tive conhecimento que o Primeiro-Ministro pedira aos portugueses para «não deixarem de acreditar no futuro», que a maioria PSD/CDS ia avançar com uma proposta de alteração ao Orçamento Geral do Estado a fim ter autorização para aplicar uma taxa às pensões mais altas podendo ir até 50% do valor mensal (a ser cobrada de uma só vez) e que, após ter sido ouvido o Senado Universitário, a Universidade de Lisboa decidira conceder-me o título de Investigadora Emerita, com base em que me teria distinguido pela «continuada acção ao longo dos anos, pelo prestígio adquirido no seu campo académico e científico e pela projecção nacional e internacional da Universidade de Lisboa». Por suspeitar que o título me fora atribuído não tanto pelo reconhecimento do meu trabalho mas por critérios burocráticos, fiquei sem saber como reagir, o que pouca importância tem diante do apelo do Primeiro-Ministro.

Gostava de acreditar que o montante dos subsídios - de Natal e de férias – que para o ano me vai ser retirado, bem como o do corte na pensão «doirada» que recebo, não iriam ser canalizados para o aumento da frota automóvel dos governantes, para a contratação de adjuntos inúteis ou para a criação de «Observatórios» universitários que só observam o que os governos lhes aponta, mas dirigidos para que a escola pública tivesse prestígio, para que o sistema de justiça fosse responsável e para que os centros de saúde se tornassem eficientes. Gostava ainda de acreditar que a Mafalda, a fisioterapeuta que me pôs o corpo direitinho, poderia ter o filho que deseja, que a D. Isaura, a funcionária pública que me atura, conseguiria arranjar um lar onde a mãe, sofrendo de Alzheimer, pudesse ser humanamente tratada, que a Verónica, que terminou o curso de História com brio e glória, arranjasse um emprego e que a D. Rosa, a minha mais próxima vizinha, não seria obrigada, por não ter dinheiro com que os pagar, a reduzir os medicamentos de que carece. Em suma, gostaria de pensar que os sacrifícios que me vão ser impostos no final de uma carreira que a instituição a que pertenço considera susceptível de distinção serviriam para dar conforto aos menos afortunados, mas conheço bem demais os poderosos do meu país para acreditar que isso venha a suceder.

No que diz respeito a sacrifícios, os governantes deveriam aliás ser os primeiros a dar o exemplo. Que sentido faz o Presidente da República receber, não pelas funções que exerce, mas como pensionista (da CGA e do Banco de Portugal)? Não se indigne já o leitor, pois há pior. Após ter descoberto que a sua reforma, como ex-juíza do Tribunal Constitucional (7.255 euros), era superior ao salário que auferiria na Assembleia da República (5.219 euros), Assunção Esteves optou pela primeira, mantendo todavia o direito às ajudas de custo, no valor de 2.133 euros. Enquanto os que podem rapam o tacho, os pobres olham-nos com ódio ou, na melhor das hipóteses, com desprezo.

«Expresso» de 26 Nov 11

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6 Comments:

Blogger Bmonteiro said...

Já pude chamar a atenção da Sra Presidente, para o risco de Mota Amaral com os eu novo BMW, se não for acompanhado de um segurança.
Agora e sobre as notícias do vento que passa, reuni alguns acontecimentos, para concluir,sobre
"O Polvo lusitano"
Ao estatuto corporativo da jubilada presidente da AR somam mais de 2.000 euros de despesas de representação. Em representação de quê?
Nos ministérios, parlamento & autarquias, um misto de Ali Babá -Al Capone, invadiu e tomou conta do país.
A bem da oligarquia político empresarial do Regime.

29 de novembro de 2011 às 17:41  
Blogger José Batista said...

Muito obrigado, Maria Filomena Mónica.
Por chamar "os bois" pelos nomes.
Como deve ser. E como tão bem faz.
Obrigado sempre.

29 de novembro de 2011 às 22:19  
Blogger Unknown said...

Pode «parecer mal» um contribuidor comentar o escrito de outro contribuidor; mas arrisco bater palmas, sem comentários...

29 de novembro de 2011 às 23:19  
Blogger Laura Cachupa Ferreira said...

A Madame, como lhe chamam, tem sempre o preconceito de classe, mesmo sob a capa da preocupação com os outros.
Já pensou que a sua pensão "doirada" (desplante) e a de muitos outros, seus pares, é também a causa da desgraça dessa e de outras Mafaldas, Isauras, etc. que citou?
Ainda por cima tem inveja das pensões "doiradas" que têm mais quilates que a sua, sem deixar de arrotar aos quatro ventos que agora é Investigadora Emérita...
Com todo o respeito, tenha vergonha, tino e descrição.

30 de novembro de 2011 às 13:42  
Blogger SLGS said...

Subscrevo, Laura Cachupa Ferreira. É assim mesmo.

30 de novembro de 2011 às 16:15  
Blogger lena said...

Pois é, Professora, esta é mesmo uma terra de gente invejosa e pelintra onde o mérito académico pouco conta e só se olha para o quanto a galinha da vizinha é mais gorda do que a minha. Triste herança de escuridões de espírito!

1 de dezembro de 2011 às 01:00  

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