Cúpula
Por João Paulo Guerra
A CIMEIRA de Bruxelas estabeleceu uma regra de ouro, ou talvez apenas de pechisbeque dourado, o que dá no mesmo: a constitucionalização do défice nos países do euro, ou seja, a consagração do equilíbrio orçamental nas Constituições.
Ora como os portugueses sabem muitíssimo bem, a consagração constitucional seja do que for é do maior efeito prático. Por exemplo, a Constituição da República Portuguesa consagra o direito à saúde através de um Serviço tendencialmente gratuito. O que fazem os governos para respeitar e cumprir este princípio constitucional? Disparam os custos das taxas moderadoras da saúde e fecham hospitais e centros de saúde públicos. E os exemplos podiam seguir-se até ao final dos 1.750 caracteres desta coluna e continuar no próximo número.
Portanto, a grande mudança da Cimeira de ‘frau' Merkel e do seu ‘ataché' não será a proibição constitucional dos défices excessivos que ultrapassem os três por cento dos PIB - dado que cada país membro se reserva, como tem reservado, o direito de desrespeitar a respetiva constituição -, mas uma legitimidade centralizada para intromissão permanente de uma cúpula, e de quem nela manda, no deve e no haver de cada estado, nas políticas financeiras, nas opções políticas e económicas, até mesmo na ideologia que informa essas opções. O voto dos cidadãos passa a ser meramente simbólico. A cúpula da Europa dos interesses fica com a faca e o queijo na mão para garantir a asfixia de qualquer promessa de índole social.
A aprovação da regulação financeira proposta por Merkel e ‘compagnie' não constituiu qualquer surpresa: grande parte dos participantes na Cimeira tinha estado reunida na véspera, em família, na qualidade de líderes do Partido Popular Europeu.
«DE» de 12 Dez 11A CIMEIRA de Bruxelas estabeleceu uma regra de ouro, ou talvez apenas de pechisbeque dourado, o que dá no mesmo: a constitucionalização do défice nos países do euro, ou seja, a consagração do equilíbrio orçamental nas Constituições.
Ora como os portugueses sabem muitíssimo bem, a consagração constitucional seja do que for é do maior efeito prático. Por exemplo, a Constituição da República Portuguesa consagra o direito à saúde através de um Serviço tendencialmente gratuito. O que fazem os governos para respeitar e cumprir este princípio constitucional? Disparam os custos das taxas moderadoras da saúde e fecham hospitais e centros de saúde públicos. E os exemplos podiam seguir-se até ao final dos 1.750 caracteres desta coluna e continuar no próximo número.
Portanto, a grande mudança da Cimeira de ‘frau' Merkel e do seu ‘ataché' não será a proibição constitucional dos défices excessivos que ultrapassem os três por cento dos PIB - dado que cada país membro se reserva, como tem reservado, o direito de desrespeitar a respetiva constituição -, mas uma legitimidade centralizada para intromissão permanente de uma cúpula, e de quem nela manda, no deve e no haver de cada estado, nas políticas financeiras, nas opções políticas e económicas, até mesmo na ideologia que informa essas opções. O voto dos cidadãos passa a ser meramente simbólico. A cúpula da Europa dos interesses fica com a faca e o queijo na mão para garantir a asfixia de qualquer promessa de índole social.
A aprovação da regulação financeira proposta por Merkel e ‘compagnie' não constituiu qualquer surpresa: grande parte dos participantes na Cimeira tinha estado reunida na véspera, em família, na qualidade de líderes do Partido Popular Europeu.
Etiquetas: autor convidado, JPG
4 Comments:
Insurge-se o meu caro JPG contra a «...legitimidade centralizada para intromissão permanente de uma cúpula, e de quem nela manda, no deve e no haver de cada estado...»
OK, mas vejamos agora o problema pela óptica do credor" (e não do "devedor"):
Quando um certo número de países decidiu juntar-se (estabelecendo, de livre vontade, realidades como "Política Agrícola Comum", "moeda comum", abolição de fronteiras, etc.), fizeram uma espécie de "casamento de conveniência", mas "com comunhão de bens".
Ora, nesta modalidade de casamentos também um cônjuge não se pode endividar sem o consentimento do outro.
Compreendo, pois, que estados que, como a Alemanha, têm passado os últimos anos a emprestar dinheiro a quem não parece muito disposto a pagá-lo (como é o caso da Grécia, que consegue "perdões de dívida" - um eufemismo de "não pagar"), queiram "meter o bedelho" nos gastos ("défices") desses mesmos países.
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Imagine-se que eu, ano após ano, emprestava dinheiro a alguém que, um belo dia, me dava a entender que queria "renegociar a dívida", (como agora diz quando não se tem dinheiro para honrar os compromissos assumidos).
E imagine-se que, enquanto eu pensava na proposta, esse alguém continuava a gastar alegremente o que tinha e o que não tinha (o meu dinheiro e o de outros que entretanto ia cravando - familiares, amigos, conhecidos, etc).
Nesse caso, nada mais natural do que eu lhe dizer:
«Meu caro, se queres continuar a fazer parte do grupo em que os mais afortunados ajudam os que estão em dificuldades, tens de nos provar que fazes algum esforço visível e concreto. E vê lá se deixas de comprar carros novos enquanto não nos pagares o que deves».
Será isso "meter o bedelho na vida do devedor"? Até certo ponto, claro que é.
Mas já me sucedeu o que acima descrevo: houve até um gajo que me pediu dinheiro emprestado e, muito antes de mo pagar (sem juros, claro...), comprou um carro novo. Mas o que mais me irritou foi quando ele (com a dívida ainda toda por saldar) me convidou para "dar uma voltinha"...
Ele há coisas. Pois não é que me parecem igualmente válidas as opiniões de JPG e CMR?
Agora, há só uma coisa que acrescento: O que fará essa cúpula europeia caso a França ou a Alemanha ultrapassem elas mesmas os limites dos respetivos défices como, pelo que ouço dizer, já aconteceu mais que uma vez?
Penalizam-se?
Ou ficam as penalizações sem efeito?
Pois... É que, devido a experiências pessoais e dolorosas, eu tenho uma sensibilidade muito apurada para esta coisa de dívidas - ainda por cima quando o credor é que é invectivado, e apelidado de 'agiota'.
A história que eu contei passou-se há muitos anos, no tempo dos escudos:
Emprestei 50 contos a um gajo que estava atrapalhado. A mim, bem falta me fazia o dinheiro, pois tinha acabado de casar, mas quis ajudá-lo (ele, de facto, precisava), e assim fiz.
Era numa época em que a inflação era de 30%.
Imagine-se a minha cara quando vi que o gajo, uma vez passada a aflição, usou o dinheiro para comprar um carro novo, e mo devolveu, a juro zero... ANOS depois.
Já na época dos euros, tive experiências penosas com pessoas a quem emprestei, ao longo de anos e anos, MUITOS euros que, depois, foram devidamente "renegociados". Quer dizer: recebi uma parte, e fiquei a arder com o resto.
Agora imagine-se que, ao longo de toda essa saga, me ia deparando com os devedores a gastarem o dinheiro (o meu, mais o que iam arranjando aqui e ali) em tudo e mais alguma coisa - menos a pagarem o que deviam...
O que escrevi pode parecer uma metáfora mas, infelizmente, não é - pois "Quem não tem vergonha, todo o mundo é seu".
Seria muito melhor o limite do endividamento ser colocado no texto constitucional, uma vez que o limite do endividamento está por natureza limitado pelos credores. Mas a mim parece-me que as nossas "cupulas" gostam mais que sejam os credores a dizer ...NÃO EMPRESTAMOS MAIS...
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