6.3.12

A Desunião Europeia

Por Maria Filomena Mónica

NASCI na Europa, cresci na Europa e não concebo viver fora da Europa, mas sei que há duas Europas: a minha e a deles. No momento em que escrevo, está reunido o Eurogrupo, a instituição que, na União Europeia, junta os Ministros da Economia e Finanças dos Estados-Membros da Zona Euro, o Presidente do Banco Central Europeu, o Comissário Europeu de Assuntos Económicos e Monetários e o seu Presidente. Uma vez que supervisiona as políticas económicas, é um organismo importante, mas só dei pela sua existência no passado dia 9, aquando do diálogo informal entre o Ministro das Finanças português e o seu homólogo alemão.

Perdidos entre a geringonça criada ao longo dos anos, os europeus não prestam atenção às instituições europeias. Este alheamento é perigoso, mas a responsabilidade pelo facto não é tanto dos cidadãos quanto dos políticos. A retórica que estes usam pertence ao Newspeak de que nos falava Orwell. Como ele lembrou, o comunismo não era o único regime com interesse em distorcer a verdade; as democracias também podiam ser corrompidas por dentro, o que nos obriga a estar atentos.

O que aconteceu com a gravação, por um repórter da TVI, da conversa entre Vítor Gaspar e W. Schäuble, na qual o primeiro interrogava o segundo sobre o que faria na eventualidade de o nosso país precisar de «um ajustamento ao programa» imposto pela troika, é reveladora. Talvez que as regras da instituição imponham que as televisões apenas possam captar imagens mas não o som, mas, para o meu argumento, isso pouco importa. Porque como pudemos constatar, entre eles, os ministros falam como nós.

Ora, para o Eurogrupo a transmissão de uma mensagem em linguagem clara é intolerável. Por isso, os funcionários de Bruxelas logo se mexeram no sentido de punir os jornalistas da TVI: ao longo de quatro semanas, estes não puderam entrar na sala de reuniões onde o tema era analisar o caso grego. Querendo prevenir futuros espiões televisivos, a UE está a inventar novas regras, a ser aplicadas no edifício Justus Lipsius, a sede do Conselho.

Embora talvez isso fizesse bem aos eurocratas, não estou a defender que tudo deva ser analisado diante das câmaras, mas sim a lamentar a reacção a este episódio. Se ao fim de tantos anos, os políticos ainda não perceberam que as novas tecnologias são susceptíveis de captar, a distâncias cada vez maiores, o que se diz na chamada «volta à mesa», a culpa é deles, não dos jornalistas. Aliás, o diálogo em questão não teve lugar num espaço privado, mas numa sala cheia de repórteres. Mais: a TVI não levava uma câmara escondida, estando, pelo contrário, o seu equipamento devidamente identificado. Este episódio pode parecer menor, mas não o é, porque demonstra que os dirigentes da UE ainda não se aperceberam de que se estão a comportar como uma nomenklatura, uma brincadeira que nos poderá conduzir, a todos, ao abismo.
«Expresso» de 3 Mar 12

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1 Comments:

Blogger Luís Bonito said...

Bom foi o que passou na SIC Notícias, com os comentadores bem informados a criticarem a postura do Sr. Schäuble, ministro das finanças alemão, que nem se levantou quando conversavam com o PM português.
O Sr. Schäuble está desde 1990 numa cadeira de rodas devidos a uma tentativa de assassínio. Não preciso de dizer mais nada.
Está no minuto 08:40
http://sicnoticias.sapo.pt/programas/jornaldas9/article1335395.ece

6 de março de 2012 às 18:00  

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