As bruxas da desconfiança
Por Rui Tavares
NUM MAGISTRAL estudo de “oito séculos de insanidade financeira” sugestivamente intitulado Desta Vez é Diferente — a expressão que nos deve deixar em sobressalto quando a ouvimos de alguém que vai fazer um negócio, pois é certo e sabido que quando se entra no convencimento de que nada vai dar errado porque “desta vez é diferente” o que acontece é que estamos ao virar de uma esquina para o colapso — os professores de economia Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, escrevendo logo a seguir ao colapso financeiro de 2008, têm a páginas 288 um curioso gráfico dos países que estão prestes a “diplomar-se”. E o que significa esse diplomar-se, para um país? Que “certos países conseguem emergir de séculos de bancarrotas sucessivas nas suas dívidas soberanas e” — no fim do processo — “param de ir à falência”. Quando um país se diploma, ir ao mercado para se financiar deixa de ser uma coisa feita aos soluços (“stop and go”) para passar a ser um facto corrente, pois o país já não é visto como um possível caloteiro e “os investidores reconhecem… que o país diminuiu de forma significativa e credível a hipótese de falhar às suas obrigações de dívida soberana”. O “diploma” é assim uma espécie de certificado de bom comportamento financeiro.
Pois bem, e olhando para o gráfico da página 288 onde estão os países que mais subiram na avaliação do mercado entre os anos de 1979 e 2008, qual é o país do mundo que está mais próximo de ganhar o seu “diploma”?
Portugal.
Mas isto era em 2008. O que aconteceu entretanto?
A opinião dominante em Berlim e no nosso governo, passe a redundância, é de que nós fizemos a queima das fitas antes de receber o diploma (a queima das fitas, eu sei, faz-se antes de receber o diploma); que nos embebedámos com dívida, que ficámos de ressaca com juros e que a culpa é nossa.
Aqui entra outro gráfico, publicado pelo prémio Nobel Paul Krugman no seu blogue, imediatamente antes de se meter num avião para vir a Portugal receber um doutoramento honoris causa pelas três universidades públicas de Lisboa (parabéns!), com a média dos défices orçamentais da zona euro até antes da crise, entre 1999-2007. Portugal aparece como mais bem comportado do que a Alemanha. Outros países hoje em riscos de perder o diploma, como a Espanha, eram “modelos de virtude”, diz Krugman. Só a Grécia e a Eslováquia seriam, nesse tempo e nesse modo, modelos de vício.
O que aconteceu só pode ser bem descrito por uma metáfora. Quando desenharam a moeda única, os pais e mães do euro poderiam ter escolhido fazer uma jangada. Mas olharam para o rio de águas calmas à sua frente e disseram “vamos só amarrar-nos a todos com uma corda e atravessar a vau”. Em 2008 a crise trouxe uma enxurrada pela encosta abaixo e começou a arrastar os mais fracos. Desde então a pergunta dos fortes tem sido: vamos puxá-los ou cortar a corda? Escolheram a austeridade que é nenhuma das duas, mas corresponde a acreditar que a enxurrada se acalme por ver que estamos a agitar muito os braços.
Como costuma dizer Krugman, o plano da austeridade significa apenas esperar que a “fada da confiança” venha trazer paz aos mercados. Em vez disso, a política dos últimos anos trouxe para a Europa outras entidades: as bruxas da desconfiança. São velhas conhecidas da nossa história e nada nos permite pensar que desta vez vá ser diferente.
RuiTavares.netNUM MAGISTRAL estudo de “oito séculos de insanidade financeira” sugestivamente intitulado Desta Vez é Diferente — a expressão que nos deve deixar em sobressalto quando a ouvimos de alguém que vai fazer um negócio, pois é certo e sabido que quando se entra no convencimento de que nada vai dar errado porque “desta vez é diferente” o que acontece é que estamos ao virar de uma esquina para o colapso — os professores de economia Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, escrevendo logo a seguir ao colapso financeiro de 2008, têm a páginas 288 um curioso gráfico dos países que estão prestes a “diplomar-se”. E o que significa esse diplomar-se, para um país? Que “certos países conseguem emergir de séculos de bancarrotas sucessivas nas suas dívidas soberanas e” — no fim do processo — “param de ir à falência”. Quando um país se diploma, ir ao mercado para se financiar deixa de ser uma coisa feita aos soluços (“stop and go”) para passar a ser um facto corrente, pois o país já não é visto como um possível caloteiro e “os investidores reconhecem… que o país diminuiu de forma significativa e credível a hipótese de falhar às suas obrigações de dívida soberana”. O “diploma” é assim uma espécie de certificado de bom comportamento financeiro.
Pois bem, e olhando para o gráfico da página 288 onde estão os países que mais subiram na avaliação do mercado entre os anos de 1979 e 2008, qual é o país do mundo que está mais próximo de ganhar o seu “diploma”?
Portugal.
Mas isto era em 2008. O que aconteceu entretanto?
A opinião dominante em Berlim e no nosso governo, passe a redundância, é de que nós fizemos a queima das fitas antes de receber o diploma (a queima das fitas, eu sei, faz-se antes de receber o diploma); que nos embebedámos com dívida, que ficámos de ressaca com juros e que a culpa é nossa.
Aqui entra outro gráfico, publicado pelo prémio Nobel Paul Krugman no seu blogue, imediatamente antes de se meter num avião para vir a Portugal receber um doutoramento honoris causa pelas três universidades públicas de Lisboa (parabéns!), com a média dos défices orçamentais da zona euro até antes da crise, entre 1999-2007. Portugal aparece como mais bem comportado do que a Alemanha. Outros países hoje em riscos de perder o diploma, como a Espanha, eram “modelos de virtude”, diz Krugman. Só a Grécia e a Eslováquia seriam, nesse tempo e nesse modo, modelos de vício.
O que aconteceu só pode ser bem descrito por uma metáfora. Quando desenharam a moeda única, os pais e mães do euro poderiam ter escolhido fazer uma jangada. Mas olharam para o rio de águas calmas à sua frente e disseram “vamos só amarrar-nos a todos com uma corda e atravessar a vau”. Em 2008 a crise trouxe uma enxurrada pela encosta abaixo e começou a arrastar os mais fracos. Desde então a pergunta dos fortes tem sido: vamos puxá-los ou cortar a corda? Escolheram a austeridade que é nenhuma das duas, mas corresponde a acreditar que a enxurrada se acalme por ver que estamos a agitar muito os braços.
Como costuma dizer Krugman, o plano da austeridade significa apenas esperar que a “fada da confiança” venha trazer paz aos mercados. Em vez disso, a política dos últimos anos trouxe para a Europa outras entidades: as bruxas da desconfiança. São velhas conhecidas da nossa história e nada nos permite pensar que desta vez vá ser diferente.
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