O bocejo mata o jornalismo
Por Ferreira Fernandes
O PROBLEMA do jornalismo político num congresso do PSD em março de 2012, quando ninguém contesta a liderança do partido, é idêntico ao do jornalismo desportivo em julho, quando já não há campeonato e às manchetes de A Bola só resta gritar: "Vem aí Borongonga!"
Ao voltar do almoço, ontem, Passos Coelho disse aos repórteres: "Deixem-me entrar no congresso", o que, por mais estranho que pareça, queria só dizer que ele queria entrar no congresso. Sem se deixar iludir pela quietude dos propósitos, um repórter pôs-se a esgaravatar e lançou ao homem que só queria entrar: "Quase que disse: deixem-me trabalhar..."
Há dias, Sarkozy lançou a um repórter: "Idiota." Mas isso é França, sem brandos costumes. Daí o repórter de ontem ter insistido: "Sabe quem disse 'deixem-me trabalhar', não sabe?"
É duro ser repórter de congressos pacatos. Mais, só comentador. Pelo menos por cá.
Num país em que os comentadores fossem tão pândegos como um dirigente do PSD que sobe à tribuna e diz que há que passar à fase pós-capitalista - num país em que os comentadores merecessem Alberto João Jardim -, um congresso pacato podia ser interessante. Mas na televisiva mesa redonda para que depois Jardim foi convidado, e onde ele falou da dialética e d'O Banquete, de Platão, ninguém lhe deu para troca Epicteto ou outro filósofo da Antiguidade. Rir-nos-íamos todos. Mas não, falou-se de coisas graves. Se calhar também nos devíamos rir disso, mas dói.
«DN» de 25 Mar 12Etiquetas: autor convidado, F.F
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