15.3.12

O rapaz que era espantalho

Por Ferreira Fernandes

HÁ 20 anos, não mais, na ilha de São Miguel, Açores, encontrei um espantalho com pernas de andar e olhos para sonhar, era um rapaz. Alugavam-no para ir para o meio dos campos espantar priolos e estorninhos. Ele punha uns ramos a sair das mangas e do colarinho, homenagem aos espantalhos feitos de palha e não de carne viva, como se os pássaros esfomeados respeitassem mais aqueles do que este.
Lembrei-me do rapaz de São Miguel, ontem, ao ler sobre um festival de rock e tecnologia, em Austin, Texas, onde há antenas com pernas. Uma empresa de publicidade pôs treze vagabundos a fazerem de antenas para a Internet. Quem quiser wi-fi dá-lhes dois dólares e pode navegar ao pé deles durante um quarto de hora. Boas almas incomodaram-se com a exposição dos vagabundos e a agência de publicidade explicou-se bem: ela queria tirar a invisibilidade aos sem-abrigo.
Fora a alta tecnologia, voltamos ao meu espantalho - entre os chiliques dos apóstolos do dever ser e os dadores de soluções, mesmo que transitórias e pueris, estou com estes. Já para não falar do ponto de vista dos vagabundos. Os de Austin andam de trabalho em trabalho, agora são antenas, retomando uma tradição já centenária: os "hobos" que percorriam os ranchos, saltando de comboio em comboio, livres como vento.
Ponham os vossos filhos a ler romances de Jack London na adolescência e eles ficam a saber o essencial: os homens valem mais do que jantes de liga leve.
«DN» de 15 Mar 12

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1 Comments:

Blogger brites said...

fazem-no em troca de "comida" ou por simplesmente serem espíritos livres?

16 de março de 2012 às 10:33  

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