O rapaz que era espantalho
Por Ferreira Fernandes
HÁ 20 anos, não mais, na ilha de São Miguel, Açores, encontrei um espantalho com pernas de andar e olhos para sonhar, era um rapaz. Alugavam-no para ir para o meio dos campos espantar priolos e estorninhos. Ele punha uns ramos a sair das mangas e do colarinho, homenagem aos espantalhos feitos de palha e não de carne viva, como se os pássaros esfomeados respeitassem mais aqueles do que este.
Lembrei-me do rapaz de São Miguel, ontem, ao ler sobre um festival de rock e tecnologia, em Austin, Texas, onde há antenas com pernas. Uma empresa de publicidade pôs treze vagabundos a fazerem de antenas para a Internet. Quem quiser wi-fi dá-lhes dois dólares e pode navegar ao pé deles durante um quarto de hora. Boas almas incomodaram-se com a exposição dos vagabundos e a agência de publicidade explicou-se bem: ela queria tirar a invisibilidade aos sem-abrigo.
Fora a alta tecnologia, voltamos ao meu espantalho - entre os chiliques dos apóstolos do dever ser e os dadores de soluções, mesmo que transitórias e pueris, estou com estes. Já para não falar do ponto de vista dos vagabundos. Os de Austin andam de trabalho em trabalho, agora são antenas, retomando uma tradição já centenária: os "hobos" que percorriam os ranchos, saltando de comboio em comboio, livres como vento.
Ponham os vossos filhos a ler romances de Jack London na adolescência e eles ficam a saber o essencial: os homens valem mais do que jantes de liga leve.
«DN» de 15 Mar 12HÁ 20 anos, não mais, na ilha de São Miguel, Açores, encontrei um espantalho com pernas de andar e olhos para sonhar, era um rapaz. Alugavam-no para ir para o meio dos campos espantar priolos e estorninhos. Ele punha uns ramos a sair das mangas e do colarinho, homenagem aos espantalhos feitos de palha e não de carne viva, como se os pássaros esfomeados respeitassem mais aqueles do que este.
Lembrei-me do rapaz de São Miguel, ontem, ao ler sobre um festival de rock e tecnologia, em Austin, Texas, onde há antenas com pernas. Uma empresa de publicidade pôs treze vagabundos a fazerem de antenas para a Internet. Quem quiser wi-fi dá-lhes dois dólares e pode navegar ao pé deles durante um quarto de hora. Boas almas incomodaram-se com a exposição dos vagabundos e a agência de publicidade explicou-se bem: ela queria tirar a invisibilidade aos sem-abrigo.
Fora a alta tecnologia, voltamos ao meu espantalho - entre os chiliques dos apóstolos do dever ser e os dadores de soluções, mesmo que transitórias e pueris, estou com estes. Já para não falar do ponto de vista dos vagabundos. Os de Austin andam de trabalho em trabalho, agora são antenas, retomando uma tradição já centenária: os "hobos" que percorriam os ranchos, saltando de comboio em comboio, livres como vento.
Ponham os vossos filhos a ler romances de Jack London na adolescência e eles ficam a saber o essencial: os homens valem mais do que jantes de liga leve.
Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
fazem-no em troca de "comida" ou por simplesmente serem espíritos livres?
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