25.6.12

Cristiano Ronaldo (1)

Por Ferreira Fernandes
O HOMEM muda de penteado no intervalo dos jogos, e Gay Talese, o jornalista cujos retratos de desportistas são os melhores que li, só usa fatos, coletes e gravatas feitos de propósito para si. 
O homem irrita-se quando falha um golo, e estou a ver Gauguin a dar um pontapé na caixa das tintas por causa de uma pincelada falhada. 
O homem acha-se o maior, e V. S. Naipaul também... 
Cristiano Ronaldo tem sido acusado de defeitos tão alheios ao que nos interessa dele como comprarmos um automóvel porque a cor vai com as riscas do nosso pijama. Mais, um dos seus defeitos irrelevantes revela uma qualidade invejável: ele zanga-se mesmo, com autenticidade, quando não cumpre um remate. 
Há dias, a bíblia do capitalismo, o Wall Street Journal, contou as horas e declarou ser Cristiano Ronaldo o desportista que mais trabalhava. Mas esse profissionalismo podíamos já todos ter dado por ele, bastando vê-lo furibundo por não ter sido perfeito - a cara zangada vem-lhe da mesma vontade com que nadava piscinas e mais piscinas para conseguir o físico que não tinha, precisava e conseguiu. 
Há muitos grandes futebolistas a quem só nos resta admirar porque eles foram dotados com talentos que não temos. Cristiano Ronaldo, além disso, merece servir de lição. Muito dele não é destino, é feito pela sua vontade e seu profissionalismo. 
É extraordinário que de Cristiano Ronaldo falemos de lantejoulas sem interesse quando há tanto fato-macaco. 
«DN» d e 25 Jun 12

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