30.11.12

Ode (crítica) aos estivadores

Por Ferreira Fernandes
GOSTO dos estivadores. Eles falam sempre da estiva com um orgulho hoje raro no trabalhador pelo seu trabalho. Daí também o espírito de grupo. Os estivadores estrangeiros que ontem vieram cá apoiar não fizeram mais, aliás, do que pagar a palavra portuguesa que exportámos. 
Nos portos ingleses, americanos e do Canadá ainda se diz "stevedore", embora docker já seja mais usual. "Stevedore" também está associado a "homem musculado" e "desbocado". 
É certo que alguns dos nossos sindicalistas da estiva, ombros estreitos e óculos, mais parecem Arménios Carlos que não singraram, mas o culto do físico é-lhes próprio. E quanto a palavrões, comuns nos cais, agora que vieram para a rua limitaram-se a trazê-los com eles. 
Os petardos pertencem ao mesmo folclore barulhento, não me ralam. Gosto menos de quando baixam as calças e mostram rabos peludos, pose indigna de uma profissão que já deu um presidente da Finlândia, um prémio Nobel de Química, vários filósofos e o pai da capoeira brasileira. 
Ontem os nossos estivadores andaram a distribuir gerberas, flores simples, cuja espécie mais conhecida é a Gerbera cordata - se continuam diplomatas, enchem-me as medidas. Há um só porém. Entrei tarde para jornalista e com dificuldade, no meu tempo era profissão fechada, mas fiz-me, julgo, um jornalista razoável. Se os estivadores deixarem entrar para estivador quem queira e seja capaz de ser um estivador, até lhes perdoava os rabos peludos. 
«DN» de 30 Nov 12

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