Ode (crítica) aos estivadores
GOSTO dos estivadores. Eles falam sempre da estiva com um orgulho hoje raro
no trabalhador pelo seu trabalho. Daí também o espírito de grupo. Os
estivadores estrangeiros que ontem vieram cá apoiar não fizeram mais,
aliás, do que pagar a palavra portuguesa que exportámos.
Nos portos
ingleses, americanos e do Canadá ainda se diz "stevedore", embora docker
já seja mais usual. "Stevedore" também está associado a "homem
musculado" e "desbocado".
É certo que alguns dos nossos sindicalistas da
estiva, ombros estreitos e óculos, mais parecem Arménios Carlos que não
singraram, mas o culto do físico é-lhes próprio. E quanto a palavrões,
comuns nos cais, agora que vieram para a rua limitaram-se a trazê-los
com eles.
Os petardos pertencem ao mesmo folclore barulhento, não me
ralam. Gosto menos de quando baixam as calças e mostram rabos peludos,
pose indigna de uma profissão que já deu um presidente da Finlândia, um
prémio Nobel de Química, vários filósofos e o pai da capoeira
brasileira.
Ontem os nossos estivadores andaram a distribuir gerberas,
flores simples, cuja espécie mais conhecida é a Gerbera cordata - se
continuam diplomatas, enchem-me as medidas. Há um só porém. Entrei tarde
para jornalista e com dificuldade, no meu tempo era profissão fechada,
mas fiz-me, julgo, um jornalista razoável. Se os estivadores deixarem
entrar para estivador quem queira e seja capaz de ser um estivador, até
lhes perdoava os rabos peludos.
«DN» de 30 Nov 12 Etiquetas: autor convidado, F.F
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