Um passo em frente, dois passos atrás
Por Maria Filomena Mónica
A 28 DE NOVEMBRO, numa entrevista à TVI, o Primeiro-Ministro disse que,
tendo em conta que a reforma do Estado exigia um corte definitivo de quatro mil
milhões de euros, iria começar pela Educação, onde existiriam menos entraves aos
malabarismos do Ministro das Finanças do que na Saúde. Segundo ele, «a
Constituição trata o esforço na Educação de forma diferente do da Saúde», o que
faria com que houvesse deste lado «alguma
margem de liberdade para um financiamento mais repartido entre os cidadãos e a
parte fiscal, directa, assegurada pelo Estado». Apesar de confuso, o recado
está lá: a educação obrigatória iria deixar de ser gratuita.
O anúncio
era de tal forma absurdo que o Ministro Crato logo veio a terreiro declarar que
aquilo que o Primeiro-Ministro dissera não era bem o que dissera, após o que,
como é usual, os juristas se dividiram quanto à constitucionalidade da coisa. A
novela não ficou por aqui. Depois de ter
feito umas contas esdrúxulas sobre o que os alunos do 11 º e 12º ano (os do 10º
ano estão já abrangidos pela escolaridade obrigatória) poderiam pagar como
propinas (5 euros, repito 5 euros, por ano), Passos Coelho recuou, chegando a
admitir que «O Sr. Ministro da Educação esclareceu-o [o problema] muitíssimo
bem», ou seja, «Não é possível, no ensino obrigatório, criar taxas dessa
natureza». Olhando o espectáculo, uma dúvida surgiu no meu espírito. Os
governantes não falam uns com os outros e, por maioria de razão, com o
Primeiro-Ministro? Só encontro uma explicação para que aconteceu: o governo
está a lançar um balão de ensaio para algumas reformas polémicas, como o cheque-ensino,
os contratos de associação e as parcerias-público-privadas no sector da
Educação.
O
episódio fez-me lembrar uma das histórias incluídas no livro «Alice nos País
das Maravilhas», a do encontro entre a menina e o gato Cheshire, quando, diante
de uma encruzilhada, ela lhe pergunta qual o caminho que deveria tomar. A
resposta do gato foi inteligente: «Isso depende muito do local para onde queres
ir». Alice hesitava, tendo o gato aconselhado: «Então, não importa o caminho
que tomares». Ela termina por dizer, mais para si do que para o gato, «… desde
que eu chegue a algum sítio». O
problema do governo é ter menos certezas do que Alice.
O
Executivo de Passos Coelho anda a navegar à bolina. Se há coisas - a diminuição
do meu salário - que aceito, em nome da comunidade a que pertenço, outras causam-me
repulsa. Uma delas é o fim da escola pública. Era o que faltava ser obrigada a
pagar, através dos meus impostos, escolas privadas ou religiosas. Toda a gente
sabe que, ao subsidiar alternativas, o Estado degrada o que é seu. Ora, eu não
quero ter no meu país uma escola apenas frequentada por quem dela não pode
fugir, uma solução que belisca o regime democrático. No dia em que isto
acontecer, arranjo uma conta num off-shore.
«Expresso» de 8 Dez 12
Etiquetas: FM
1 Comments:
Em Portugal, os (mais) pobres, que somos quase todos, estamos fritos.
Os GPS(s) do poder e seus amigos apontam para nós como objetivo a... esfolar.
Sem trabalho... Sem saúde... Sem escola...
O que podemos fazer?
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