11.12.12

Um passo em frente, dois passos atrás

Por Maria Filomena Mónica
A 28 DE NOVEMBRO, numa entrevista à TVI, o Primeiro-Ministro disse que, tendo em conta que a reforma do Estado exigia um corte definitivo de quatro mil milhões de euros, iria começar pela Educação, onde existiriam menos entraves aos malabarismos do Ministro das Finanças do que na Saúde. Segundo ele, «a Constituição trata o esforço na Educação de forma diferente do da Saúde», o que faria com que houvesse  deste lado «alguma margem de liberdade para um financiamento mais repartido entre os cidadãos e a parte fiscal, directa, assegurada pelo Estado». Apesar de confuso, o recado está lá: a educação obrigatória iria deixar de ser gratuita.
O anúncio era de tal forma absurdo que o Ministro Crato logo veio a terreiro declarar que aquilo que o Primeiro-Ministro dissera não era bem o que dissera, após o que, como é usual, os juristas se dividiram quanto à constitucionalidade da coisa. A  novela não ficou por aqui. Depois de ter feito umas contas esdrúxulas sobre o que os alunos do 11 º e 12º ano (os do 10º ano estão já abrangidos pela escolaridade obrigatória) poderiam pagar como propinas (5 euros, repito 5 euros, por ano), Passos Coelho recuou, chegando a admitir que «O Sr. Ministro da Educação esclareceu-o [o problema] muitíssimo bem», ou seja, «Não é possível, no ensino obrigatório, criar taxas dessa natureza». Olhando o espectáculo, uma dúvida surgiu no meu espírito. Os governantes não falam uns com os outros e, por maioria de razão, com o Primeiro-Ministro? Só encontro uma explicação para que aconteceu: o governo está a lançar um balão de ensaio para algumas reformas polémicas, como o cheque-ensino, os contratos de associação e as parcerias-público-privadas no sector da Educação.
O episódio fez-me lembrar uma das histórias incluídas no livro «Alice nos País das Maravilhas», a do encontro entre a menina e o gato Cheshire, quando, diante de uma encruzilhada, ela lhe pergunta qual o caminho que deveria tomar. A resposta do gato foi inteligente: «Isso depende muito do local para onde queres ir». Alice hesitava, tendo o gato aconselhado: «Então, não importa o caminho que tomares». Ela termina por dizer, mais para si do que para o gato, «… desde que eu chegue a algum sítio». O problema do governo é ter menos certezas do que Alice.
O Executivo de Passos Coelho anda a navegar à bolina. Se há coisas - a diminuição do meu salário - que aceito, em nome da comunidade a que pertenço, outras causam-me repulsa. Uma delas é o fim da escola pública. Era o que faltava ser obrigada a pagar, através dos meus impostos, escolas privadas ou religiosas. Toda a gente sabe que, ao subsidiar alternativas, o Estado degrada o que é seu. Ora, eu não quero ter no meu país uma escola apenas frequentada por quem dela não pode fugir, uma solução que belisca o regime democrático. No dia em que isto acontecer, arranjo uma conta num off-shore.
«Expresso» de 8 Dez 12                                             

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Em Portugal, os (mais) pobres, que somos quase todos, estamos fritos.
Os GPS(s) do poder e seus amigos apontam para nós como objetivo a... esfolar.

Sem trabalho... Sem saúde... Sem escola...

O que podemos fazer?

11 de dezembro de 2012 às 23:21  

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