Quatro por cento
Por Alberto Gonçalves
SEGUNDO um estudo da seguradora Zurich, 96% dos portugueses não
acreditam nos políticos. Como agora é habitual, estes dados foram
apresentados com preocupação e imputados à austeridade. Basta espreitar
um noticiário televisivo ou folhear um jornal para perceber que, no
caldo ideológico vigente, a austeridade está na origem de todos os
fenómenos ocorridos no país, desde os suicídios ao abandono de cães,
passando pelos assaltos à mão armada e a decadência do Sporting.
Fora
das alucinações em voga, a notícia merece aplausos. Descrer da classe
política não é, ao contrário do que a própria classe gosta de sugerir,
meio caminho andado para o advento de uma ditadura, mas o primeiro passo
para a consolidação de uma sociedade livre. As ditaduras erguem-se
sobre a adesão excessiva aos "salvadores" nascidos justamente da
veneração e da fé cegas. Numa democracia autêntica, criatura nenhuma
depositaria nos políticos mais confiança do que a estritamente
indispensável. Os políticos são um mal necessário, que se tolera com a
resignação dedicada a uma gripe em Fevereiro. É óptimo que os
portugueses suspeitem dos políticos. É trágico que, provavelmente, isso
seja mentira.
Uma coisa é resmungar em inquéritos contra os
senhores que mandam. Outra é supôr que os resmungos traduzem a
capacidade de compreender que os senhores que mandam, quaisquer que
sejam, constituem o problema e não a solução. Infelizmente, palpita-me
que as pessoas não criticam o poder porque o poder é por definição
criticável. Criticam-no porque não recebem dele tudo o que desejam. O
poder, em suma, não satisfaz as expectativas, e a mera existência de
expectativas, no sentido em que os de "baixo" delegam aos de "cima" a
orientação das suas vidas, é flagrante sinal de atraso.
Entre
parêntesis, note-se os extraordinários 4% de indivíduos que, íntima e
publicamente, proclamam acreditar nos políticos. Antes de nos
espantarmos com tamanha demonstração de primitivismo, convém somar os
eleitos para cargos nacionais e locais, os adjuntos, os assessores, os
secretários, os motoristas, os compinchas, os parceiros de negócios e
todos os que sonham atingir um dos postos anteriores. O número parece
plausível.
«DN» de 20 Jan 13 (1.ª parte) Etiquetas: AG, autor convidado
1 Comments:
Certeiro. Pontaria de artilheiro.
A mim me parece.
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