SEDIMENTOS E ROCHAS SEDIMENTARES
Por A. M. Galopim de Carvalho
Em 1941 o cosmólogo e grande divulgador científico russo, George Gamow (1904-1968) escreveu; “o Livro dos Sedimentos”, reconstruído pelo esforço de diversas gerações de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de insignificantes opúsculos”...
Em 1941 o cosmólogo e grande divulgador científico russo, George Gamow (1904-1968) escreveu; “o Livro dos Sedimentos”, reconstruído pelo esforço de diversas gerações de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de insignificantes opúsculos”...
Na realidade, grande parte da história da
Terra e da vida está arquivada nas rochas sedimentares.
O livro que tenho em fase final de
revisão, prestes a entregar ao editor, “O AVÔ E OS NETOS FALAM DE GEOLOGIA”, especialmente
dirigido aos professores que ministram as primeiras noções de Geologia no
Ensino Básico, foi concebido com base nos conteúdos do actual 7º ano de
escolaridade, usando um discurso pedagógico convenientemente adaptado aos
respectivos níveis etários e de escolaridade dos alunos.
Velho geólogo, o avô tem por auditório os
três netos em férias de verão, o Domingos que completara o 7º ano, e os gémeos
Francisca e Mateus, acabados de sair do 6ª. O cenário é o terraço da residência
das crianças, algures a norte da Serra de Sintra.
O texto que agora e aqui disponibilizo
aos meus amigos do Facebook reproduz o capítulo dedicado às rochas
sedimentares.
“Depois
do jantar e, como ia sendo hábito, os netos rodearam o avô, curiosos, na
espectativa do que seria a conversa nesse fim de tarde.
- Como já
dissemos, - começou o avô - temos ali, nas ombreiras da porta e das janelas,
uma rocha muito conhecida.
- É
calcário, avô. – Adiantou-se o Domingos, a mostrar que aproveitara bem as
lições de geologia que tivera no ano findo. - É uma rocha sedimentar.-
Acrescentou, a marcar a sua condição de irmão mais velho e mais adiantado.
- Então,
vamos hoje falar das rochas sedimentares. – Confirmou o avô. – Já sabemos que o
calcário é uma rocha sedimentar, mas vamos deixá-lo para amanhã. Hoje vamos
começar por falar de sedimentos.
- Vamos a
isso. – Exclamou, risonha, a Francisca, arrastando a cadeira para mais perto da
do avô.
- Sedimento é um palavra vulgar, conhecida
de toda a gente, que fomos buscar ao latim e quer dizer, pura e simplesmente,
depósito. Se olharem para o fundo do tanque de rega do vizinho Pedro, verificam
que se depositaram, lá no fundo, poeiras trazidas pelo vento, folhas de árvore
e outras sujidades que ali caem e se acumulam ou, dizendo de outra maneira, ali
sedimentam. Na natureza acontece o mesmo. E, assim, em geologia, sedimento é
todo o material que naturalmente se deposita e acumula num local onde isso
possa acontecer, seja no fundo do mar, de um lago ou de um troço de rio onde a
água fique sem força para o arrastar.
- E que
material é esse, avô? – quis saber a Francisca.
- Basta
ir ali abaixo à ribeira e ver o que ela transporta. É areia, são pedras tanto
maiores quanto mais forte tenha sido a corrente, são folhas de árvore e muitas
porcarias que as pessoas sem educação ali despejam. E se forem lá ver em
alturas de muita chuva, deparam com uma água turva, que nós dizemos barrenta,
porque leva argila em suspensão.
- Barro e
argila é a mesma coisa. - Interrompeu o Domingos.
- Podemos
dizer que sim. – Confirmou o avô.- Barro é uma palavra mais popular. Quando
está seca, a argila parece uma pedra. Uma pedra que não é dura como essas que
se apanham do chão.
- Quando
o raspamos com a unha fazemos um pó muito fininho. – Continuou o neto.
- Isso
mesmo. – Completou o avô. - É por isso que se diz que é uma pedra friável ou
seja, que se pode reduzir a pó. Na verdade o que acontece é que os minerais que
formam a argila são, por natureza, tão minúsculos, que só com microscópios
muito potentes os podemos ver. Chegam a ser mil vezes mais pequeninos do que um
grão de areia dos mais pequenos. E agora entra aqui um processo, que não vou
explicar agora, pelo qual partículas desta dimensão se podem unir umas à
outras, mesmo a seco, como se tivessem cola a uni-las. É esta união que faz com
que o barro seco pareça uma pedra.
- Lá na
escola, - meteu-se na conversa o Mateus – fazemos coisas com barro.
- Mas
repara que trabalham com barro molhado. Só assim se pode moldar. Mas, atenção,
o barro com que trabalham está molhado com pouca água. Porque se tiver água a
mais, desfaz-se e agarra-se às vossas mãos. E quando, no fim do trabalho vão
lavá-las, certamente já repararam que a água que vos sai das mãos fica turva. E
fica turva por que tem partículas de argila em suspensão.
-
Suspensão? – Interrompeu a neta, a pedir explicação para uma palavra
desconhecida.
- É muito
simples. – Prontificou-se o avô a explicar. – Quando dizemos que uma coisa está
suspensa, seja ela a roupa a secar no estendal ou esse brinco na tua orelha,
queremos dizer que não cai. Mas o melhor é observarmos uma experiência muito
rápida e fácil de fazer.
E,
dizendo isto, pediu aos netos que fossem buscar dois copos com água, uma colher
e que pedissem à mãe uma pitada de açúcar e outra de farinha. Com tudo o que
pedira sobre a mesa, dirigindo-se à neta, começou: – Deitando o açúcar na água
e mexendo com a colher como podes ver, ele desaparece porque se dissolve. Isto
acontece porque as moléculas (numa conversa anterior, a noção de molécula já
havia sido abordada) do açúcar, muito bem unidas, como é característica do
estado sólido, se libertam e se separam umas das outras e, uma vez libertas, se
misturam com a moléculas de água, passando a fazer parte de um corpo no estado
líquido. Por outras palavras podemos dizer que as moléculas de açúcar se diluem
na água.
- Com o
sal passa-se o mesmo. – Disse o Domingos, muito atento a esta explicação do
avô.
- Se
agora, neste outro copo, em vez de açúcar, deitares farinha e mexeres muito bem
com a colher, verificas que água fica turva. E fica turva porque os grãozinhos
da farinha são muito fininhos, tal e qual os da argila, e demoram muito tempo a
chegarem ao fundo. Dizemos, assim, que estão em suspensão na água. É
precisamente o que se passa ali na ribeira quando a água vai barrenta.
- Percebi
perfeitamente. – Alegrou-se a neta.
- Vamos
então continuar. - Propôs o avô. - Uma pedra pequena ou grande, um grão de
areia ou um minúsculo grãozinho de argila transportados pelas águas de um rio e
que acabe por se depositar no fundo ou nas margens de um rio, num pântano, num
lago ou no mar, é um sedimento. Mas, atenção, há, ainda, as conchas das
ameijoas, dos mexilhões e dos mais variados moluscos que são essencialmente
feitas de carbonato de cálcio. Inteiras, partidas ou reduzidas a pó, por força
das correntes que as arrastam, são sedimentos ricos nesse composto químico. Os
corais e certas algas que constroem os respectivos esqueletos com carbonato de
cálcio também são destruídos pela força do mar, dando origem a sedimentos do
mesmo tipo.
-
Carbonato de cálcio, avô? – Interrompeu a Francisca.
- Sim,
carbonato de cálcio. – Confirmou o Domingos. – É o mesmo composto químico da
calcite que tenho na minha colecção e que tu já tiveste na mão. E é o mesmo da
casca dos ovos. Tem carbono, oxigénio e cálcio.
- Vamos
continuar. – Interrompeu o avô, olhando para ao relógio. – Pensem, por exemplo,
nos sedimentos transportados pelos rios a caminho do mar. Os calhaus, embora
muitos fiquem pelo caminho, muitos mais chegam ao litoral. Podemos vê-los na
praia. Com as areias passa-se o mesmo. Uma fica nas margens dos rios, onde a água
corre com menos força, e a outra vai depositar-se nas praias e no mar.
- E as
dunas? – Perguntou o Mateus, a beber as palavras do avô.
- As
dunas, meu neto, são areias que o vento varre da praia e acumula em montes, por
vezes, muito grandes. Quando fomos à praia do Guincho, - lembram-se? -, era um
dia de vento muito forte e pudemos ver a areia a atravessar a estrada a caminho
das dunas.
- Ó avô,
quando o avô fala a gente até vê as coisas. – Exclamou a Francisca, toda
contente.
-
Deixem-me acrescentar que a areia que entra no mar se deposita, sobretudo, numa
zona aplanada, de pequena profundidade, que se estende ao longo da costa.
- É a
plataforma continental. – Acrescentou o irmão mais velho. – Só a seguir é que o
mar se torna mais fundo, disse a minha professora.
- É isso
mesmo, Domingos. – Continuou o avô. – Podemos dizer que começa aí o fundo do oceano,
onde as profundidades podem atingir cinco a seis mil metros e, em alguns
locais, bem mais do que isso. Entre o bordo da plataforma continental e o fundo
oceânico há uma descida chamada vertente continental e é na base deste talude
ou rampa, como lhe quisermos chamar, que se acumulam os sedimentos de menor
calibre, ou seja, as partículas de argila e os grãos de areia mais fininhos, em
camadas ou estratos, como também se diz, uns sobre os outros. É por isso que
dizemos que a rochas sedimentares são rochas estratificadas. Este ambiente de
transição da plataforma continental para o fundo oceânico é muitas vezes
referido por margem e é aqui que as sobreposições de estratos ou, por outras
palavras, as sequências sedimentares, podem atingir centenas e, até, milhares
de metros de espessura.
- Mas
essas camadas ainda não são rochas, avô!? – Interrompeu o neto mais velho.
- Isso é
verdade, mas, com o passar dos milhões e milhões de anos vão ficando muito
apertadas sob o peso das camadas que lhes ficam por cima e sofrendo outras
acções que acabam por as transformar em pedra.
- E que
outras acções são essas que ajudam a transformar os sedimentos em rochas? –
Quis saber o Mateus, muito atento ao que se estava a dizer.
- Uma
delas é a introdução de substâncias dissolvidas na água que penetra e circula
entre os sedimentos e os cola, entre si, à semelhança do cimento. Podemos fazer
uma experiência para mostrar como é que se pode passar de um depósito de
sedimentos soltos a uma rocha. - Dizendo, isto pediu ao Domingos que fosse
buscar o frasco com areia que tinham trazido da praia, ao Mateus, um prato e o
saleiro da cozinha, e à neta, que trouxesse um copo com um pouquinho de água.
- Agora,
- começou o avô, depois de tudo o que pedira se encontrar sobre a mesa, -
enquanto o Mateus dissolve na água deste copo a maior quantidade de sal que
puder, a Francisca cobre o fundo do prato com a areia. – Virando-se para o
Domingos, perguntou: – Adivinhas o que é preciso fazer agora par dar
continuidade à nossa experiência.
Em vez de
responder com palavras, o neto cobriu a areia com a água saturada de sal.
- Daqui a dois ou três dias, quando a água se
evaporar, iremos ver que a areia deixou de estar solta. Os grãozinhos ficaram
colados uns aos outros pelo sal que se meteu nos espaços que existiam entre
eles. Quando cá estiveram os pedreiros a arranjar o muro do jardim, fizeram uma
argamassa com areia, cimento e água. Lembram-se? E passados uns dias, como é
que estava essa argamassa?
- Estava
dura, avô. Parecia pedra.
Passa-se
o mesmo na natureza quando um qualquer cimento penetra uma camada sedimentar
incoesa, ou seja, com os sedimentos soltos, e a transforma em rocha dura, mas a
maneira mais correcta é dizer rocha coesa.
- Então,
avô, a areia da praia pode transformar-se numa rocha? – Perguntou a Francisca.
- Pode e
isso sempre aconteceu e continua a acontecer e a rocha assim formada tem o nome
de arenito.
- Podemos
dizer que o arenito é areia unida por um cimento? – Insistiu a neta.
- É isso
mesmo, uma areia transformada em pedra por efeito de um cimento natural.
- Mas que
cimento é esse, avô? – Perguntou, de imediato, o Mateus.
- Há
vários tipos de cimento na natureza. - Continuou o avô. - Um deles é vosso
conhecido. É o carbonato de cálcio, de que já falámos. Uma vez dissolvido na
água, o carbonato de cálcio percorre os vazios entre os seixos e os grãos de
areia e, a pouco e pouco, com o passar do tempo, vai-se depositando, acabando
por encher e tapar esses vazios.
- Como os
grãos são muito pequeninos, temos dificuldade em ver esses vazios. Estão lá,
mas a gente não os vê. – Explicou o Domingos para o irmão.
- Mas
temos uma maneira de saber que eles existem. – Acrescentou o avô. - Quando,
amanhã, na praia, enchermos com areia um dos copos que costumamos levar e, com
outro, deitarmos lá para dentro uma boa porção de água, essa água desaparece,
não se vê, mas está lá, entre os grãos da areia, a preencher os vazios.
Percebes?
-
Perfeitamente, avô.
- E, já
agora, deixa-me insistir em dizer que, se nessa água houvesse algo que
permitisse colar os grãos ente si, estávamos a fazer um arenito artificial.
Agora pensemos
nos seixos da praia, dos maiores aos mais pequeninos. Como são todos
arredondados, mesmo que estejam juntinhos uns aos outros, deixam, entre si,
espaços suficientemente alargados para deixarem entrar não só o cimento como
também a areia. Assim, – continuou o avô, - se os seixos da praia se acumularem
e se, entre eles, se introduzir areia e um cimento que lhes encham os vazios,
os agreguem e os transformem numa rocha coesa, essa rocha chama-se
conglomerado. Se em vez de seixos rolados, forem fragmentos de pedra angulosos,
isto é, com arestas e bicos, damos-lhe o nome de brecha.
- Na
areia da Praia Grande também há grãozinhos muito redondinhos. - Interrompeu o
Domingos. – O meu pai levou uma lupa e nós vimos que a maioria são de quartzo,
mais pareciam feitos de vidro.
- Isso é
verdade. - Confirmou o avô. - E eu explico porquê. Por causa da chuva e das
variações de temperatura, as rochas como, por exemplo, o granito e outras
também com quartzo na composição, vão-se desagregando sobretudo por apodrecimento
ou, melhor dizendo, por alteração química do feldspato. O quartzo não se altera
e, uma vez solto, dispersa-se no terreno constituindo a areia que está no chão
que pisamos quando andamos no campo. Na dita alteração e ao fim de muitos anos,
o feldspato transforma-se na argila que nos enlameia as botas e sapatos quando
andamos aí pela Serra no tempo chuvoso. Esta areia e esta argila acabam sempre
por ser arrastadas pelas águas da chuva e dos ribeiros, a caminho do litoral
onde têm o destino que já vos disse. Faço-me entender?
- Sim,
avô. – Disseram, ao mesmo tempo, os gémeos.
- Para
terminarmos a nossa conversa de hoje, só falta dizer que, na origem das rochas
sedimentares, além dos seixos, das areias, das argilas e dos restos de seres
vivos, como as conchas e outras partes duras de certos animais, não podemos
esquecer os produtos químicos dissolvidos na água, com destaque para a sílica
(dióxido de silício), o dióxido de carbono, o cálcio, o magnésio, o sódio, o
potássio, o cloro, o enxofre e o fósforo. Se, por exemplo, não houvesse cálcio
e dióxido de carbono na água do mar, as ameijoas, os mexilhões, os búzios, as
ostras ou os corais não construíam os respectivos esqueletos.
- E,
assim, avô, não havia calcários. – Adiantou-se o Domingos.
- Se não
houvesse enxofre, oxigénio e cálcio, - continuou o avô - não se formava o
gesso. Se não houvesse cloro e sódio, não se formava sal-gema.
- Que é
igual ao sal que se usa na cozinha. Interrompeu, de novo, o neto.
- Exacto,
mas vamos deixar este capítulo das rochas sedimentares para mais tarde. E
agora, vão brincar.
- E
depois, - advertiu a mãe, vinda de dentro da casa, - vestir pijamas, lavar
dentes e cama.
.
Etiquetas: GC
2 Comments:
Este texto é uma delícia e uma doçura. Escaparam algumas gralhas ("espectativa" por "expectativa" e "por que" por "porque"), como sempre acontece a quem escreve. Mas isso não afecta o valor do artigo.
Parabéns.
Caro amigo e professor:
Espero que publique estas conversas com os netos para que, tal como a Francisca, os netos de outros avós possam 'ver' as coisas. São raros os netos de um avô assim. Abraço.
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