22.11.15

SEDIMENTOS E ROCHAS SEDIMENTARES

Por A. M. Galopim de Carvalho

Em 1941 o cosmólogo e grande divulgador científico russo, George Gamow (1904-1968) escreveu; “o Livro dos Sedimentos”, reconstruído pelo esforço de diversas gerações de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de insignificantes opúsculos”...
Na realidade, grande parte da história da Terra e da vida está arquivada nas rochas sedimentares.
O livro que tenho em fase final de revisão, prestes a entregar ao editor, “O AVÔ E OS NETOS FALAM DE GEOLOGIA”, especialmente dirigido aos professores que ministram as primeiras noções de Geologia no Ensino Básico, foi concebido com base nos conteúdos do actual 7º ano de escolaridade, usando um discurso pedagógico convenientemente adaptado aos respectivos níveis etários e de escolaridade dos alunos.
Velho geólogo, o avô tem por auditório os três netos em férias de verão, o Domingos que completara o 7º ano, e os gémeos Francisca e Mateus, acabados de sair do 6ª. O cenário é o terraço da residência das crianças, algures a norte da Serra de Sintra.
O texto que agora e aqui disponibilizo aos meus amigos do Facebook reproduz o capítulo dedicado às rochas sedimentares.

“Depois do jantar e, como ia sendo hábito, os netos rodearam o avô, curiosos, na espectativa do que seria a conversa nesse fim de tarde.
- Como já dissemos, - começou o avô - temos ali, nas ombreiras da porta e das janelas, uma rocha muito conhecida.
- É calcário, avô. – Adiantou-se o Domingos, a mostrar que aproveitara bem as lições de geologia que tivera no ano findo. - É uma rocha sedimentar.- Acrescentou, a marcar a sua condição de irmão mais velho e mais adiantado.
- Então, vamos hoje falar das rochas sedimentares. – Confirmou o avô. – Já sabemos que o calcário é uma rocha sedimentar, mas vamos deixá-lo para amanhã. Hoje vamos começar por falar de sedimentos.
- Vamos a isso. – Exclamou, risonha, a Francisca, arrastando a cadeira para mais perto da do avô.
- Sedimento é um palavra vulgar, conhecida de toda a gente, que fomos buscar ao latim e quer dizer, pura e simplesmente, depósito. Se olharem para o fundo do tanque de rega do vizinho Pedro, verificam que se depositaram, lá no fundo, poeiras trazidas pelo vento, folhas de árvore e outras sujidades que ali caem e se acumulam ou, dizendo de outra maneira, ali sedimentam. Na natureza acontece o mesmo. E, assim, em geologia, sedimento é todo o material que naturalmente se deposita e acumula num local onde isso possa acontecer, seja no fundo do mar, de um lago ou de um troço de rio onde a água fique sem força para o arrastar.
- E que material é esse, avô? – quis saber a Francisca.
- Basta ir ali abaixo à ribeira e ver o que ela transporta. É areia, são pedras tanto maiores quanto mais forte tenha sido a corrente, são folhas de árvore e muitas porcarias que as pessoas sem educação ali despejam. E se forem lá ver em alturas de muita chuva, deparam com uma água turva, que nós dizemos barrenta, porque leva argila em suspensão.
- Barro e argila é a mesma coisa. - Interrompeu o Domingos.
- Podemos dizer que sim. – Confirmou o avô.- Barro é uma palavra mais popular. Quando está seca, a argila parece uma pedra. Uma pedra que não é dura como essas que se apanham do chão.
- Quando o raspamos com a unha fazemos um pó muito fininho. – Continuou o neto.
- Isso mesmo. – Completou o avô. - É por isso que se diz que é uma pedra friável ou seja, que se pode reduzir a pó. Na verdade o que acontece é que os minerais que formam a argila são, por natureza, tão minúsculos, que só com microscópios muito potentes os podemos ver. Chegam a ser mil vezes mais pequeninos do que um grão de areia dos mais pequenos. E agora entra aqui um processo, que não vou explicar agora, pelo qual partículas desta dimensão se podem unir umas à outras, mesmo a seco, como se tivessem cola a uni-las. É esta união que faz com que o barro seco pareça uma pedra.
- Lá na escola, - meteu-se na conversa o Mateus – fazemos coisas com barro.
- Mas repara que trabalham com barro molhado. Só assim se pode moldar. Mas, atenção, o barro com que trabalham está molhado com pouca água. Porque se tiver água a mais, desfaz-se e agarra-se às vossas mãos. E quando, no fim do trabalho vão lavá-las, certamente já repararam que a água que vos sai das mãos fica turva. E fica turva por que tem partículas de argila em suspensão.
- Suspensão? – Interrompeu a neta, a pedir explicação para uma palavra desconhecida.
- É muito simples. – Prontificou-se o avô a explicar. – Quando dizemos que uma coisa está suspensa, seja ela a roupa a secar no estendal ou esse brinco na tua orelha, queremos dizer que não cai. Mas o melhor é observarmos uma experiência muito rápida e fácil de fazer.
E, dizendo isto, pediu aos netos que fossem buscar dois copos com água, uma colher e que pedissem à mãe uma pitada de açúcar e outra de farinha. Com tudo o que pedira sobre a mesa, dirigindo-se à neta, começou: – Deitando o açúcar na água e mexendo com a colher como podes ver, ele desaparece porque se dissolve. Isto acontece porque as moléculas (numa conversa anterior, a noção de molécula já havia sido abordada) do açúcar, muito bem unidas, como é característica do estado sólido, se libertam e se separam umas das outras e, uma vez libertas, se misturam com a moléculas de água, passando a fazer parte de um corpo no estado líquido. Por outras palavras podemos dizer que as moléculas de açúcar se diluem na água.
- Com o sal passa-se o mesmo. – Disse o Domingos, muito atento a esta explicação do avô.
- Se agora, neste outro copo, em vez de açúcar, deitares farinha e mexeres muito bem com a colher, verificas que água fica turva. E fica turva porque os grãozinhos da farinha são muito fininhos, tal e qual os da argila, e demoram muito tempo a chegarem ao fundo. Dizemos, assim, que estão em suspensão na água. É precisamente o que se passa ali na ribeira quando a água vai barrenta.
- Percebi perfeitamente. – Alegrou-se a neta.
- Vamos então continuar. - Propôs o avô. - Uma pedra pequena ou grande, um grão de areia ou um minúsculo grãozinho de argila transportados pelas águas de um rio e que acabe por se depositar no fundo ou nas margens de um rio, num pântano, num lago ou no mar, é um sedimento. Mas, atenção, há, ainda, as conchas das ameijoas, dos mexilhões e dos mais variados moluscos que são essencialmente feitas de carbonato de cálcio. Inteiras, partidas ou reduzidas a pó, por força das correntes que as arrastam, são sedimentos ricos nesse composto químico. Os corais e certas algas que constroem os respectivos esqueletos com carbonato de cálcio também são destruídos pela força do mar, dando origem a sedimentos do mesmo tipo.

- Carbonato de cálcio, avô? – Interrompeu a Francisca.
- Sim, carbonato de cálcio. – Confirmou o Domingos. – É o mesmo composto químico da calcite que tenho na minha colecção e que tu já tiveste na mão. E é o mesmo da casca dos ovos. Tem carbono, oxigénio e cálcio.
- Vamos continuar. – Interrompeu o avô, olhando para ao relógio. – Pensem, por exemplo, nos sedimentos transportados pelos rios a caminho do mar. Os calhaus, embora muitos fiquem pelo caminho, muitos mais chegam ao litoral. Podemos vê-los na praia. Com as areias passa-se o mesmo. Uma fica nas margens dos rios, onde a água corre com menos força, e a outra vai depositar-se nas praias e no mar.
- E as dunas? – Perguntou o Mateus, a beber as palavras do avô.
- As dunas, meu neto, são areias que o vento varre da praia e acumula em montes, por vezes, muito grandes. Quando fomos à praia do Guincho, - lembram-se? -, era um dia de vento muito forte e pudemos ver a areia a atravessar a estrada a caminho das dunas.
- Ó avô, quando o avô fala a gente até vê as coisas. – Exclamou a Francisca, toda contente.
- Deixem-me acrescentar que a areia que entra no mar se deposita, sobretudo, numa zona aplanada, de pequena profundidade, que se estende ao longo da costa.
- É a plataforma continental. – Acrescentou o irmão mais velho. – Só a seguir é que o mar se torna mais fundo, disse a minha professora.
- É isso mesmo, Domingos. – Continuou o avô. – Podemos dizer que começa aí o fundo do oceano, onde as profundidades podem atingir cinco a seis mil metros e, em alguns locais, bem mais do que isso. Entre o bordo da plataforma continental e o fundo oceânico há uma descida chamada vertente continental e é na base deste talude ou rampa, como lhe quisermos chamar, que se acumulam os sedimentos de menor calibre, ou seja, as partículas de argila e os grãos de areia mais fininhos, em camadas ou estratos, como também se diz, uns sobre os outros. É por isso que dizemos que a rochas sedimentares são rochas estratificadas. Este ambiente de transição da plataforma continental para o fundo oceânico é muitas vezes referido por margem e é aqui que as sobreposições de estratos ou, por outras palavras, as sequências sedimentares, podem atingir centenas e, até, milhares de metros de espessura.
- Mas essas camadas ainda não são rochas, avô!? – Interrompeu o neto mais velho.
- Isso é verdade, mas, com o passar dos milhões e milhões de anos vão ficando muito apertadas sob o peso das camadas que lhes ficam por cima e sofrendo outras acções que acabam por as transformar em pedra.
- E que outras acções são essas que ajudam a transformar os sedimentos em rochas? – Quis saber o Mateus, muito atento ao que se estava a dizer.
- Uma delas é a introdução de substâncias dissolvidas na água que penetra e circula entre os sedimentos e os cola, entre si, à semelhança do cimento. Podemos fazer uma experiência para mostrar como é que se pode passar de um depósito de sedimentos soltos a uma rocha. - Dizendo, isto pediu ao Domingos que fosse buscar o frasco com areia que tinham trazido da praia, ao Mateus, um prato e o saleiro da cozinha, e à neta, que trouxesse um copo com um pouquinho de água.
- Agora, - começou o avô, depois de tudo o que pedira se encontrar sobre a mesa, - enquanto o Mateus dissolve na água deste copo a maior quantidade de sal que puder, a Francisca cobre o fundo do prato com a areia. – Virando-se para o Domingos, perguntou: – Adivinhas o que é preciso fazer agora par dar continuidade à nossa experiência.
Em vez de responder com palavras, o neto cobriu a areia com a água saturada de sal.
 - Daqui a dois ou três dias, quando a água se evaporar, iremos ver que a areia deixou de estar solta. Os grãozinhos ficaram colados uns aos outros pelo sal que se meteu nos espaços que existiam entre eles. Quando cá estiveram os pedreiros a arranjar o muro do jardim, fizeram uma argamassa com areia, cimento e água. Lembram-se? E passados uns dias, como é que estava essa argamassa?
- Estava dura, avô. Parecia pedra.
Passa-se o mesmo na natureza quando um qualquer cimento penetra uma camada sedimentar incoesa, ou seja, com os sedimentos soltos, e a transforma em rocha dura, mas a maneira mais correcta é dizer rocha coesa.
- Então, avô, a areia da praia pode transformar-se numa rocha? – Perguntou a Francisca.
- Pode e isso sempre aconteceu e continua a acontecer e a rocha assim formada tem o nome de arenito.
- Podemos dizer que o arenito é areia unida por um cimento? – Insistiu a neta.
- É isso mesmo, uma areia transformada em pedra por efeito de um cimento natural.
- Mas que cimento é esse, avô? – Perguntou, de imediato, o Mateus.
- Há vários tipos de cimento na natureza. - Continuou o avô. - Um deles é vosso conhecido. É o carbonato de cálcio, de que já falámos. Uma vez dissolvido na água, o carbonato de cálcio percorre os vazios entre os seixos e os grãos de areia e, a pouco e pouco, com o passar do tempo, vai-se depositando, acabando por encher e tapar esses vazios.
- Como os grãos são muito pequeninos, temos dificuldade em ver esses vazios. Estão lá, mas a gente não os vê. – Explicou o Domingos para o irmão.
- Mas temos uma maneira de saber que eles existem. – Acrescentou o avô. - Quando, amanhã, na praia, enchermos com areia um dos copos que costumamos levar e, com outro, deitarmos lá para dentro uma boa porção de água, essa água desaparece, não se vê, mas está lá, entre os grãos da areia, a preencher os vazios. Percebes?
- Perfeitamente, avô.
- E, já agora, deixa-me insistir em dizer que, se nessa água houvesse algo que permitisse colar os grãos ente si, estávamos a fazer um arenito artificial.
Agora pensemos nos seixos da praia, dos maiores aos mais pequeninos. Como são todos arredondados, mesmo que estejam juntinhos uns aos outros, deixam, entre si, espaços suficientemente alargados para deixarem entrar não só o cimento como também a areia. Assim, – continuou o avô, - se os seixos da praia se acumularem e se, entre eles, se introduzir areia e um cimento que lhes encham os vazios, os agreguem e os transformem numa rocha coesa, essa rocha chama-se conglomerado. Se em vez de seixos rolados, forem fragmentos de pedra angulosos, isto é, com arestas e bicos, damos-lhe o nome de brecha.
- Na areia da Praia Grande também há grãozinhos muito redondinhos. - Interrompeu o Domingos. – O meu pai levou uma lupa e nós vimos que a maioria são de quartzo, mais pareciam feitos de vidro.
- Isso é verdade. - Confirmou o avô. - E eu explico porquê. Por causa da chuva e das variações de temperatura, as rochas como, por exemplo, o granito e outras também com quartzo na composição, vão-se desagregando sobretudo por apodrecimento ou, melhor dizendo, por alteração química do feldspato. O quartzo não se altera e, uma vez solto, dispersa-se no terreno constituindo a areia que está no chão que pisamos quando andamos no campo. Na dita alteração e ao fim de muitos anos, o feldspato transforma-se na argila que nos enlameia as botas e sapatos quando andamos aí pela Serra no tempo chuvoso. Esta areia e esta argila acabam sempre por ser arrastadas pelas águas da chuva e dos ribeiros, a caminho do litoral onde têm o destino que já vos disse. Faço-me entender?
- Sim, avô. – Disseram, ao mesmo tempo, os gémeos.
- Para terminarmos a nossa conversa de hoje, só falta dizer que, na origem das rochas sedimentares, além dos seixos, das areias, das argilas e dos restos de seres vivos, como as conchas e outras partes duras de certos animais, não podemos esquecer os produtos químicos dissolvidos na água, com destaque para a sílica (dióxido de silício), o dióxido de carbono, o cálcio, o magnésio, o sódio, o potássio, o cloro, o enxofre e o fósforo. Se, por exemplo, não houvesse cálcio e dióxido de carbono na água do mar, as ameijoas, os mexilhões, os búzios, as ostras ou os corais não construíam os respectivos esqueletos.
- E, assim, avô, não havia calcários. – Adiantou-se o Domingos.
- Se não houvesse enxofre, oxigénio e cálcio, - continuou o avô - não se formava o gesso. Se não houvesse cloro e sódio, não se formava sal-gema.
- Que é igual ao sal que se usa na cozinha. Interrompeu, de novo, o neto.
- Exacto, mas vamos deixar este capítulo das rochas sedimentares para mais tarde. E agora, vão brincar.
- E depois, - advertiu a mãe, vinda de dentro da casa, - vestir pijamas, lavar dentes e cama.
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2 Comments:

Blogger José Batista said...

Este texto é uma delícia e uma doçura. Escaparam algumas gralhas ("espectativa" por "expectativa" e "por que" por "porque"), como sempre acontece a quem escreve. Mas isso não afecta o valor do artigo.
Parabéns.

22 de novembro de 2015 às 19:07  
Blogger Carlos Esperança said...

Caro amigo e professor:

Espero que publique estas conversas com os netos para que, tal como a Francisca, os netos de outros avós possam 'ver' as coisas. São raros os netos de um avô assim. Abraço.

22 de novembro de 2015 às 22:47  

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