8.11.15

SOBRE O ENSINO DA GEOLOGIA EM PORTUGAL

Por A. M. Galopim de Carvalho
Onde a geologia permanece subalternizada nos currículos escolares e continua arredada da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.

Numa luta pela valorização do ensino da Geologia em Portugal que, de há décadas a esta parte, tem sido a de alguns, entre os quais me incluo, cabe aqui relatar um caso concreto que, posso afirmar por experiência própria, ilustra muitos outros no panorama nacional.
Tive, há dois ou três anos, oportunidade de analisar, em pormenor, o relatório de um trabalho sobre um tema envolvendo noções básicas de mineralogia e geologia, elaborado por um grupo de alunos do 11º ano, de uma das Escolas Secundárias da capital. Enchendo dois volumosos dossiers com centenas de páginas, na imensa maioria fotocópias de imagens e textos acriticamente recolhidos da internet segundo um critério de escolha que deixa muito a desejar (com o único propósito de o procurar valorizar pelo volume), este trabalho permite concluir não ter tido o acompanhamento desejável por parte do(a) professor(a) da respectiva disciplina. Esta mais do que evidente falta de acompanhamento, a que se juntou a não existência de uma desejável e necessária revisão final, fica clara na deficiente correcção dos textos escritos pelo referido grupo de alunos.
Facultado por um dos elementos deste grupo, a sua leitura permitiu-me algumas reflexões que vão ao encontro de convicções que fui somando ao longos dos anos nos múltiplos encontros que tenho tido com as nossas Escolas.
O(a) professor(a) em causa, licenciado(a) em Biologia, sabe muito pouco, ou quase nada, sobre o tema do referido trabalho e desconhece elementos básicos de química que obrigatoriamente constaram da sua formação académica, deixando passar, sem reparo ou correcção, os muitos erros e imprecisões no conteúdo científico, quer nas páginas redigidas pelos alunos, quer nas que reproduzem os documentos retirados da net. Por outro lado, não se dá conta dos imensos erros de sintaxe e de ortografia do texto. Limitou-se a passar os olhos pelo trabalho, numa leitura mais do que rápida, em diagonal, lamentavelmente desinteressada. Em conclusão, este grupo de alunos, praticamente, não beneficiou do trabalho que desenvolveu.
É certo que não podemos generalizar. Nas muitas escolas que continuo a visitar por todo o país, fazendo palestras para professores e/ou alunos, participando em debates ou em outras actividades, conheço professores dignos desse nome. Conheço licenciados em Biologia, tanto ou mais interessados e competentes no ensino da Geologia, quando comparados a muitos dos seus pares licenciados para o efeito.
De há muito que venho dizendo que o ensino da Geologia nas nossas escolas não tem merecido, por parte dos responsáveis, a atenção que esta disciplina merece como motor de desenvolvimento e bem-estar e como componente da formação integral do cidadão. Continua a ser grande a iliteracia dos portugueses nesta área do conhecimento, mesmo nos seus aspectos mais gerais e essenciais à compreensão do seu lugar no mundo. E esta iliteracia é transversal à nossa sociedade desde o mais humilde dos cidadãos, que não passou sequer pelos bancos da Escola, à grande maioria dos que integram as classes sociais ditas cultas. Chamadas de atenção como esta, expendidas ao longo de décadas, por diversos elementos da comunidade dos geólogos, continuam a não despertar as desejáveis preocupações dos que temos elegido para dar destino às nossas vidas.

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Chamo a estes textos "olhar para as feridas" com que nos devíamos preocupar.
São chagas imensas, cancros, com que quase ninguém se importa. Tantas "reformas" do ensino e pouco se altera, quando não muda para pior.
Não é só nos conteúdos disciplinares que não poucos docentes revelam (graves) falhas. Curiosamente, alguns deles vêm de (supostas) universidades com altas classificações, sobretudo em áreas de formação que se sobrepõem ao que antigamente se chamava conhecimento fundamental (quero dizer, específico). E depois há as necessárias actualizações que deviam ser disponibilizadas aos professores, em condições adequadas, mas que são também substituídas por formações em tanta coisa que não enriquece o saber de quem (o) devia ensinar. Aliás, defende-se hoje que o professor nem deve ensinar, devendo apenas estimular a auto-aprendizagem dos alunos. E há mesmo quem defenda que os alunos, só por si, aprendem, sem necessitar de professores, por exemplo com recurso aos computadores. E aprendem, aprendem até muito, mas não o corpo de conhecimentos que era importante que todos aprendessem...
E depois há ainda o modo como é tratada a língua portuguesa por professores, alunos, cidadãos em geral e, claro, pelos políticos...
Há menos de meia dúzia de anos, numa conferência numa universidade bem cotada do nosso país, um professor catedrático conseguiu produzir uma lição interessante, mas os erros de ortografia foram bastos na apresentação em "powerpoint" que fez. Quem também esteve nessa ciclo de conferências foi o Professor Fernando Catarino, que falou a seguir, e até ironizou (levemente) sobre aqueles erros...
Claro que, neste caldo de cultura, o prejuízo é imenso e quem mais sofre, obviamente, são os filhos dos (mais) pobres.

8 de novembro de 2015 às 20:02  

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