SOBRE O ENSINO DA GEOLOGIA EM PORTUGAL
Por A. M. Galopim de Carvalho
Onde a geologia permanece subalternizada nos currículos
escolares e continua arredada da cultura geral dos portugueses, dos mais
humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.
Numa luta pela valorização do ensino da Geologia em Portugal
que, de há décadas a esta parte, tem sido a de alguns, entre os quais me
incluo, cabe aqui relatar um caso concreto que, posso afirmar por experiência
própria, ilustra muitos outros no panorama nacional.
Tive, há
dois ou três anos, oportunidade de analisar, em pormenor, o relatório de um
trabalho sobre um tema envolvendo noções básicas de mineralogia e geologia,
elaborado por um grupo de alunos do 11º ano, de uma das Escolas Secundárias da
capital. Enchendo dois volumosos dossiers
com centenas de páginas, na imensa maioria fotocópias de imagens e textos acriticamente
recolhidos da internet segundo um critério de escolha que deixa muito a desejar
(com o único propósito de o procurar valorizar pelo volume), este trabalho permite
concluir não ter tido o acompanhamento desejável por parte do(a) professor(a)
da respectiva disciplina. Esta mais do que evidente falta de acompanhamento, a
que se juntou a não existência de uma desejável e necessária revisão final,
fica clara na deficiente correcção dos textos escritos pelo referido grupo de
alunos.
Facultado
por um dos elementos deste grupo, a sua leitura permitiu-me algumas reflexões
que vão ao encontro de convicções que fui somando ao longos dos anos nos
múltiplos encontros que tenho tido com as nossas Escolas.
O(a)
professor(a) em causa, licenciado(a) em Biologia, sabe muito pouco, ou quase
nada, sobre o tema do referido trabalho e desconhece elementos básicos de
química que obrigatoriamente constaram da sua formação académica, deixando
passar, sem reparo ou correcção, os muitos erros e imprecisões no conteúdo
científico, quer nas páginas redigidas pelos alunos, quer nas que reproduzem os
documentos retirados da net. Por outro lado, não se dá conta dos imensos erros
de sintaxe e de ortografia do texto. Limitou-se a passar os olhos pelo
trabalho, numa leitura mais do que rápida, em diagonal, lamentavelmente
desinteressada. Em conclusão, este grupo de alunos, praticamente, não
beneficiou do trabalho que desenvolveu.
É certo
que não podemos generalizar. Nas muitas escolas que continuo a visitar por todo
o país, fazendo palestras para professores e/ou alunos, participando em debates
ou em outras actividades, conheço professores dignos desse nome. Conheço
licenciados em Biologia, tanto ou mais interessados e competentes no ensino da
Geologia, quando comparados a muitos dos seus pares licenciados para o efeito.
De há
muito que venho dizendo que o ensino da Geologia nas nossas escolas não tem
merecido, por parte dos responsáveis, a atenção que esta disciplina merece como
motor de desenvolvimento e bem-estar e como componente da formação integral do
cidadão. Continua a ser grande a iliteracia dos portugueses nesta área do
conhecimento, mesmo nos seus aspectos mais gerais e essenciais à compreensão do
seu lugar no mundo. E esta iliteracia é transversal à nossa sociedade desde o
mais humilde dos cidadãos, que não passou sequer pelos bancos da Escola, à
grande maioria dos que integram as classes sociais ditas cultas. Chamadas de
atenção como esta, expendidas ao longo de décadas, por diversos elementos da
comunidade dos geólogos, continuam a não despertar as desejáveis preocupações
dos que temos elegido para dar destino às nossas vidas.
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1 Comments:
Chamo a estes textos "olhar para as feridas" com que nos devíamos preocupar.
São chagas imensas, cancros, com que quase ninguém se importa. Tantas "reformas" do ensino e pouco se altera, quando não muda para pior.
Não é só nos conteúdos disciplinares que não poucos docentes revelam (graves) falhas. Curiosamente, alguns deles vêm de (supostas) universidades com altas classificações, sobretudo em áreas de formação que se sobrepõem ao que antigamente se chamava conhecimento fundamental (quero dizer, específico). E depois há as necessárias actualizações que deviam ser disponibilizadas aos professores, em condições adequadas, mas que são também substituídas por formações em tanta coisa que não enriquece o saber de quem (o) devia ensinar. Aliás, defende-se hoje que o professor nem deve ensinar, devendo apenas estimular a auto-aprendizagem dos alunos. E há mesmo quem defenda que os alunos, só por si, aprendem, sem necessitar de professores, por exemplo com recurso aos computadores. E aprendem, aprendem até muito, mas não o corpo de conhecimentos que era importante que todos aprendessem...
E depois há ainda o modo como é tratada a língua portuguesa por professores, alunos, cidadãos em geral e, claro, pelos políticos...
Há menos de meia dúzia de anos, numa conferência numa universidade bem cotada do nosso país, um professor catedrático conseguiu produzir uma lição interessante, mas os erros de ortografia foram bastos na apresentação em "powerpoint" que fez. Quem também esteve nessa ciclo de conferências foi o Professor Fernando Catarino, que falou a seguir, e até ironizou (levemente) sobre aqueles erros...
Claro que, neste caldo de cultura, o prejuízo é imenso e quem mais sofre, obviamente, são os filhos dos (mais) pobres.
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