Sem emenda - A certeza alemã
Por António Barreto
É uma graça comum: as que se
realizam hoje, na Alemanha, são as verdadeiras eleições europeias. E assim
será. Depois das legislativas e presidenciais de vários países, sobretudo da Grã-Bretanha,
da França e da Holanda, assim como diversas autárquicas, a União fica renovada
eleitoralmente. Ainda falta a Itália, mas não parece que daí venham mudanças
radicais. Os resultados da Alemanha são previsíveis. O ano de 2017 acabará sem
que os processos eleitorais tenham produzido novos perigos. Não houve crise.
Mas também não parece que haja resolução dos problemas que tínhamos no início
do ano. Aliás, com a saída da Grã-Bretanha, com os ventos da Catalunha e da
Escócia e com as ameaças da Hungria e da Polónia, terminaremos o ano em pior
estado do que quando o começámos.
Há sempre quem diga que a
liderança politica é condição necessária e suficiente para o progresso e a
estabilidade. E que a falta de liderança é bastante para criar a incerteza,
eventualmente o declínio. A Europa dos nossos dias é a negação de tais ideias
simples. A liderança alemã é assumida (embora não ostensivamente), indiscutível
(apesar de criticada), reconhecida (mau grado a resistência) e temida (até
pelos amigos). A dimensão humana e territorial, a localização geográfica, o
produto nacional e a robustez da indústria fazem da Alemanha o líder europeu
sem par. A sua capacidade de organização, a dedicação ao trabalho e o seu
realismo confirmam e reforçam os seus atributos. O que lhe falta,
flexibilidade, cultura e força militar constitui uma deficiência séria, mas não
é obstáculo à assunção dos seus poderes e da sua força.
Só que… Esta liderança é capaz de
condenar a União ao que poderá ser, a prazo, o declínio da Europa. Da Europa
como continente coeso, como organização e como agrupamento de países livres. Na
verdade, a liderança alemã, que já foi relutante (como disse T. Garton Ash) e agora
desejada, nunca será aceite de boa vontade pelos parceiros e, se o for, é com
reserva mental. Pela força excessiva, pela história e pelos hábitos, a Alemanha
não será bem vinda como líder incontestado. E poderá facilmente conduzir a
rejeições antigas e a perturbações novas.
A União Europeia começou
francesa. Depois, fez-se franco-alemã. A seguir, simpatizou com a Grã-Bretanha.
Para logo experimentar as delícias mediterrânicas e as surpresas orientais. Depois,
a França entrou em declínio. A Grã-Bretanha foi à vida. O Mediterrâneo quis
aproveitar-se. De repente, a União ficou alemã, uma das razões contra as quais
se fez há décadas. Sem o peso fundacional francês, sem a criatividade liberal
inglesa, sem a simpatia americana e sem a ameaça soviética, mas com os velhos
problemas de identidade, com as dívidas soberanas e com as perdas de
produtividade, a União desaparece ou fica alemã e… desaparece!
A Europa foi… Já quase só se fala
da Europa e da União no passado. É justo reconhecer que a UE ajudou Portugal. Deu
um prazo e uma oportunidade à democracia. A UE reforçou o Estado e a sociedade.
Ao fim de uns anos, a UE não dá mais contributos directos ou indirectos para a
democracia. A UE não é ela própria democrática. Não é exemplo de democracia.
Mas uma democracia vive melhor na União Europeia do que fora dela. Para
Portugal, fora da União, tudo será mais difícil.
A Europa a que aderimos era um
continente politicamente atraente e economicamente promissor. Além de ser uma
garantia cultural e um futuro científico. Já havia, talvez, nos anos oitenta,
sinais de inquietação, mas, para todos os efeitos, o horizonte europeu seduzia
com razão qualquer país, a começar por Portugal, saído de uma ditadura, de uma
guerra e de uma revolução. A Europa a que pertencemos hoje está politicamente
em declínio, em dificuldade e na incerteza. Em qualquer caso, a perder pujança,
ritmo e sentido.
Uma coisa é segura: temos uma
liderança certa de uma Europa incerta!
DN, 24 de Setembro de
2017
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Concordo que vivemos numa Europa incerta Mas,depois dos últimos resultados eleitorais na Alemanha,em que a extrema direita aparece como a terceira força política mais votada,que tipo de liderança certa nos espera?
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