CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS
Por A. M. Galopim de Carvalho
Toda a gente sabe que classificar é separar por classes, mas nem todos sabem que as mais antigas classificações das rochas, à semelhança das dos seres vivos, eram designadas por Sistemas (do grego “systema”, que significa reunião de diversos objectos num só corpo, grupo ou conjunto) e, assim, classificar é o mesmo do que sistematizar e classificação é sinónimo de sistematização.
Nesta óptica, a expressão classificação sistemática é uma redundância desnecessária que, não obstante, se lê frequentemente.
Cada disciplina tem o seu tipo de classificação. Em biologia e também em paleontologia fala-se de Domínio, Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Género e Espécie. Em geologia, por força da própria natureza dos “objectos” (rochas), este tipo de classificação não tem cabimento.
Por exemplo, no seu célebre Natursystem des Mineralreichs, Karl von Lineu (1707-1778) tentou, sem êxito, adaptar aos minerais e às rochas os seus critérios que tão bem se têm mantido na sistemática e nomenclatura biológicas. Segundo ele, o arenito pertencia à classe “Petrae” (pedras), à ordem “Agregata” e ao género “Arena” (areia), no qual distinguia várias espécies, como, por exemplo, “Arena riparia” (areia fluvial). Acontece, porém, que o conceito de espécie, tal como o entendemos para os seres vivos e, até, para os minerais, não tem aplicação nas rochas, face às quais se fala, sim, de tipos e não de espécies
Sem esquecer as abordagens divulgadas por Avicena, Agricola e muitos outros, ao longo da Idade Média, o século XVIII foi pródigo na procura de classificações dos produtos do “Reino Mineral”. Minerais e rochas figuravam ainda, lado a lado, nas várias propostas de arrumo.
Além da de Lineu, ficaram na história das ciências da Terra as classificações do século XVIII de Bromel (1730), Woltersdorf (que introduziu o uso do termo rocha nas classificações), Lehman (1759), Cronstedt (1771), que usou o termo latino sax, para referenciar as rochas, Werner (1774), Vallerio (1778) e Daubenton (1784). Além destas, distinguiu-se a classificação do sueco, Torbern Olof Bergman (1735-1784), químico e mineralogista de grande prestígio. No seu Manual do Mineralógico ou Esboço do Reino Mineral (1782), traduzido para português em 1799, as rochas a que chamamos sedimentares estão repartidas por algumas das classes em que foram divididos os objectos do “Reino Mineral”. Entre as “Terras”, distinguia: “terra calcária”, “terra argilosa” (barros) e “terra quartzosa” (areias siliciosas). Os “Sais” incluíam a “pedra de platre” ou “cal vitriolada” (gesso) e o sal-gema, entre outros. Nesta classificação falava-se, ainda, em “pedras simples”, entre as quais, calcários, xistos argilosos, sílex e outras rochas homogéneas à vista desarmada; e em “pedras compostas”, onde figuravam conglomerados e brechas, consideradas não cristalinas, a par de outras ditas cristalinas, como os granitos e os gnaisses; finalmente, sob a designação de “substâncias inflamáveis”, considerava os “combustíveis fósseis” (expressão que ainda hoje se mantém), que incluíam, entre outros, os carvões, o petróleo, e o âmbar (succinum).
Em 1823 foram publicadas, na Universidade de Coimbra, as Tábuas Mineralógicas, da autoria do lente Manuel José Barjona (1758-1831), obra inspirada no Sistema de Vallerio. Nesta altura, em que se não separavam os minerais das rochas, estas tábuas consideram os produtos do “Reino Mineral” distribuídos em cinco classes: “Terras”, “Pedras”, “Sais”, “Sulfuretos e Betumes” e “Metais e Semimetais”. Falava-se então de “pedras argilosas” (argilas, barros, ocres, xistos e margas) e de “pedras salinas” (calcários e gesso), de “sal-gema” e de “combustíveis não metálicos” (petróleo, carvão e betume). É interessante notar que estas propostas classificativas conservavam, ainda, uma forte influência do saber medieval. Com efeito, Avicena, na viragem do séc. X para o XI, no seu tratado sobre as pedras, De Lapidibus, já distinguia “terras”, “pedras” e “sais”.
Nota: O conceito que então se tinha de “terra” era o de materiais (minerais ou rochas) decompostos e ou desagregados pelos agentes atmosféricos, de aspecto mais ou menos pulverulento ou arenoso. É nesta óptica que os franceses chamam “terre” (e os ingleses “earth”) ao barro e que nós, com toda a propriedade, chamamos terra à fracção mineral, desagregada, do solo e, até, ao próprio solo.
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