«Acontece...»
... E porque não os mandam para casa ?
SOU um eleitor ferrenho. Não falhei uma única, estou recenseado por Lisboa e levo a coisa a sério, mesmo quando sinto que me estão a baralhar o jogo, como agora.
Nunca vi tamanha avalancha de cartazes como neste Junho pré-eleitoral. Eles avançam-me para dentro do carro quando páro num semáforo, pulam para o colo da minha neta, que quer logo explicações, eles gritam, eles escondem as árvores, eles voam por cima das filas de trânsito, eles à noite podem ser sinistros, quando algum candeeiro os ilumina de forma duvidosa. E quando a cara do cívico candidato me surge esmagada pelo cartaz vizinho que apregoa uma qualquer mercadoria apetitosa? Como eles se insultam um ao outro quando brigam para que os distinga !
Acho que sair para a rua estampado num cartaz gigante deve ser uma daquelas contingências a que os políticos não têm como dizer que não. Pode ser que alguns se deliciem quando passam, pequeninos, diante de si mesmos, gigantões. Mas o mais provável é que seja o contrário e eles só cumpram a ferros essa deificação em cartão, implacavelmente coagidos pelo director de campanha. Imagino os diálogos:
- Mas eu não quero, eu não quero a minha cara por aí, especada dia e noite, disponível para os gestos obscenos dos que não me suportam, os desdéns, os dixotes, as piadas grosseiras, sabe bem como são os portugueses...
- Nada disso, é preciso humanizar a campanha, personalizá-la, tornar popular a sua figura, torná-lo reconhecível pelo homem da rua, aproximá-lo do dia a dia do eleitor. Sair à rua não é baixar à rua, que diabo. O senhor quer ser um autarca!
Estocada final:
- Quantos políticos seus colegas adorariam ter a cara aí pelas ruas e praças. Pense nisso...
Seja como for, a batalha campal dos “outdoors” caiu sobre Lisboa com fragor. Estrondoso. Exagerado. Passe-se em Entrecampos, para exemplo cabal.
E o que dizem esses tremendos “outdoors”? Que Lisboa é terra de gente, é para todos, e precisa de soluções, de projectos com princípio, meio e fim. Isto dito assim, numa assentada, é dizer um óbvio demolidor, berrar vulgaridades num blá-blá inútil e devidamente bem pago. E no entanto é precisamente isso (e nada mais do que isso!) o que o conjunto desta guerra de cartazes está a impingir aos lisboetas. Se repartirmos essa compacta inutilidade por quatro porções, temos os conteúdos dos quatro vazios que enxameiam Lisboa. Não há uma ideia nova, uma nesga de projecto, uma brisa de mensagem apetecível, um apelo de sedução inteligente, um rasgo de subtileza convincente. Alinhem-se as “poderosas” e “imaginativas” palavras-chave que reinam sobre os quatro “outdoors” concorrentes: projectos, soluções, para todos, gente. Só lhes faltam duas: ora abóbora !
Ou então, façamos de outra forma. À maneira de adivinhas de trazer por casa:
O socialista Manuel Maria Carrilho desdenharia subscrever o “slogan” “Soluções para Lisboa?” Ao comunista Ruben de Carvalho ficaria mal avançar com uma “Lisboa para todos?” José Sá Fernandes, o combativo opositor do túnel do Marquês, rejeitaria associar-se a “Projectos com princípio, meio e fim”? E ao social-democrata Carmona Rodrigues, que aparece nos “outdoors” confundido numa multidão, não poderia calhar o outro rótulo de campanha que diz “Lisboa é gente”? Pois saiba-se que todos os “slogans” citados não pertencem aos candidatos a que os liguei. O que não faz a menor diferença, tão indistintos e incaracterísticos são todos eles.
E no entanto eu pressinto que haja universos de propósitos, métodos, ambições, metas, energias, frescuras, prioridades e competências a afastar e a distinguir cada candidato dos seus concorrentes. Pressinto-o mas não o identifico, não o descodifico, nesta barafunda estéril (e seguramente muito cara) que anda pela praça pública alfacinha. Dirão que os “outdoors” não são o grande meio de esclarecimento, divulgação de ideias e sua discussão. É verdade, mas para alguma coisa haverão de servir. Não assim.
...De modo que, eleitor ferrenho que me acuso e levando estas coisas a sério, peço aos quatro candidatos que parem com a reinação dos seus consultores de marketing. Mandem-nos para casa. Venham cá fora e falem directamente co’a gente, que diabo!
Crónica semanal (às 6ªs-feiras) - «A CAPITAL» 10 Jun 05
SOU um eleitor ferrenho. Não falhei uma única, estou recenseado por Lisboa e levo a coisa a sério, mesmo quando sinto que me estão a baralhar o jogo, como agora.
Nunca vi tamanha avalancha de cartazes como neste Junho pré-eleitoral. Eles avançam-me para dentro do carro quando páro num semáforo, pulam para o colo da minha neta, que quer logo explicações, eles gritam, eles escondem as árvores, eles voam por cima das filas de trânsito, eles à noite podem ser sinistros, quando algum candeeiro os ilumina de forma duvidosa. E quando a cara do cívico candidato me surge esmagada pelo cartaz vizinho que apregoa uma qualquer mercadoria apetitosa? Como eles se insultam um ao outro quando brigam para que os distinga !
Acho que sair para a rua estampado num cartaz gigante deve ser uma daquelas contingências a que os políticos não têm como dizer que não. Pode ser que alguns se deliciem quando passam, pequeninos, diante de si mesmos, gigantões. Mas o mais provável é que seja o contrário e eles só cumpram a ferros essa deificação em cartão, implacavelmente coagidos pelo director de campanha. Imagino os diálogos:
- Mas eu não quero, eu não quero a minha cara por aí, especada dia e noite, disponível para os gestos obscenos dos que não me suportam, os desdéns, os dixotes, as piadas grosseiras, sabe bem como são os portugueses...
- Nada disso, é preciso humanizar a campanha, personalizá-la, tornar popular a sua figura, torná-lo reconhecível pelo homem da rua, aproximá-lo do dia a dia do eleitor. Sair à rua não é baixar à rua, que diabo. O senhor quer ser um autarca!
Estocada final:
- Quantos políticos seus colegas adorariam ter a cara aí pelas ruas e praças. Pense nisso...
Seja como for, a batalha campal dos “outdoors” caiu sobre Lisboa com fragor. Estrondoso. Exagerado. Passe-se em Entrecampos, para exemplo cabal.
E o que dizem esses tremendos “outdoors”? Que Lisboa é terra de gente, é para todos, e precisa de soluções, de projectos com princípio, meio e fim. Isto dito assim, numa assentada, é dizer um óbvio demolidor, berrar vulgaridades num blá-blá inútil e devidamente bem pago. E no entanto é precisamente isso (e nada mais do que isso!) o que o conjunto desta guerra de cartazes está a impingir aos lisboetas. Se repartirmos essa compacta inutilidade por quatro porções, temos os conteúdos dos quatro vazios que enxameiam Lisboa. Não há uma ideia nova, uma nesga de projecto, uma brisa de mensagem apetecível, um apelo de sedução inteligente, um rasgo de subtileza convincente. Alinhem-se as “poderosas” e “imaginativas” palavras-chave que reinam sobre os quatro “outdoors” concorrentes: projectos, soluções, para todos, gente. Só lhes faltam duas: ora abóbora !
Ou então, façamos de outra forma. À maneira de adivinhas de trazer por casa:
O socialista Manuel Maria Carrilho desdenharia subscrever o “slogan” “Soluções para Lisboa?” Ao comunista Ruben de Carvalho ficaria mal avançar com uma “Lisboa para todos?” José Sá Fernandes, o combativo opositor do túnel do Marquês, rejeitaria associar-se a “Projectos com princípio, meio e fim”? E ao social-democrata Carmona Rodrigues, que aparece nos “outdoors” confundido numa multidão, não poderia calhar o outro rótulo de campanha que diz “Lisboa é gente”? Pois saiba-se que todos os “slogans” citados não pertencem aos candidatos a que os liguei. O que não faz a menor diferença, tão indistintos e incaracterísticos são todos eles.
E no entanto eu pressinto que haja universos de propósitos, métodos, ambições, metas, energias, frescuras, prioridades e competências a afastar e a distinguir cada candidato dos seus concorrentes. Pressinto-o mas não o identifico, não o descodifico, nesta barafunda estéril (e seguramente muito cara) que anda pela praça pública alfacinha. Dirão que os “outdoors” não são o grande meio de esclarecimento, divulgação de ideias e sua discussão. É verdade, mas para alguma coisa haverão de servir. Não assim.
...De modo que, eleitor ferrenho que me acuso e levando estas coisas a sério, peço aos quatro candidatos que parem com a reinação dos seus consultores de marketing. Mandem-nos para casa. Venham cá fora e falem directamente co’a gente, que diabo!
Crónica semanal (às 6ªs-feiras) - «A CAPITAL» 10 Jun 05
2 Comments:
No mínimo, os «candidos-candidatos» podiam (e deviam, pois têm MUITO espaço para isso) indicar nos cartazes meia-dúzia de ideias-compromisso.
Usariam letra pequena, claro, mas legível.
Veríamos como todos escreveriam o mesmo!
Mas, depois, o problema passaria para o patamar seguinte (a esclarecer na Comunicação Social, oportunamente):
Como, quando e com que meios se proporiam executar o prometido.
O pior é a OUTRA QUESTÃO:
Como (depois daquilo que todos sabemos...) acreditar em promessas de políticos???
C.E.
... e ainda a procissão vai no adro, como se costuma dizer. Vamos ver que rios de dinheiro não correrão em gastos publicitários DURANTE a campanha. Quem não se queixa são os tais directores de campanha que se fala na crónica. Uns nababos!
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