1.6.05

Aristóteles e o referendo europeu

Uma dúvida pertinente

QUANDO há uma votação, são dadas aos participantes três outras possibilidades para além da escolha dos candidatos (ou das opções em jogo):

Há o Voto em Branco, o Voto Nulo e a Abstenção - tudo hipóteses perfeitamente legítimas.

Então aqui deixo uma pergunta a que ninguém ainda me respondeu:

Sendo o nosso referendo de Outubro misturado com as eleições autárquicas, como é que uma pessoa pode participar numa das votações e abster-se na outra?

Segundo me dizem, será fácil:

Teremos um boletim para cada acto eleitoral e, se nos quisermos abster num deles, simplesmente não entregamos o papelinho.

Se assim for, o que vai suceder é que a pessoa entrega "um papel a menos".

Com isso, quem estiver presente (pelo menos as pessoas da Mesa) fica a saber o "voto" do cidadão (neste caso "Abstenção"), ao passo que, se votar "Branco" ou "Nulo", ninguém saberá.

É que, com o não-esclarecimento que por aí vai, não faltará quem queira seguir o conselho de Aristóteles:

«Na dúvida, abstém-te»


Curiosidade:

Nos dias que antecederam o referendo francês, o «Não» foi aumentando à medida que as pessoas se iam esclarecendo e lendo o documento em causa.

Isso dá que pensar, explica algumas coisas, e porventura responde à dúvida em cima exposta.

É perfeitamento legítimo que «combatam a abstenção», mas não que a «impeçam».
Entretanto, comentadores e editorialistas enchem os jornais portugueses com textos a chamar idiotas aos franceses...

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não tem pés nem cabeça que assunto com a complexidade de uma Constituição seja votada pelo povo.
Uma coisa é um referendo sobre o aborto ou uma eleição para escolher entre pessoas conhecidas.
Outra, é uma coisa desta natureza.
Deviam ser os parlamentos a decidir.

C.E.

1 de junho de 2005 às 09:35  
Anonymous Anónimo said...

Pior:

Como se sabe e viu, as pessoas acabam por votar em tudo menos no que está em jogo.
Por exemplo:
Em Portugal, parece que, actualmente, o SIM é maioritário.
Se, até Outubro, o Governo der "barraca", a situação vai alterar-se.
Depois, os políticos e os editorialistas chamarão burros aos votantes (como estão agora a chamar aos franceses); mas parece-me que mais burros ainda são os que não perceberam o sarilho que iam arranjar.

1 de junho de 2005 às 09:40  
Anonymous Anónimo said...

Contrariamente ao que diz o C.E. eu acho que faz todo o sentido pôr o povo a referendar a Constituição Europeia. Afinal, ontem, a maioria dos parlamentares portugueses, ouvida por um jornal, confessava ainda não ter lido a tal Constituição. E, pessoalmente, julgo que é mais difícil alguém pronunciar-se sobre o aborto do que sobre a Constituição. O que causa dó é o facto de ninguém se preocupar em esclarecer os portugueses sobre as vantagens e inconvenientes da adopção de uma Constituição para uma Europa que já vai na África equatorial. Há cerca de um mês, ao pesquisar informação sobre a Constituição, só aparecia o sítio da UE que demorava quase uma hora a abrir. Hoje mesmo, os sítios do PS e do PSD não dão acesso ao documento. Pelo que pude averiguar, está disponível nos sítios da Presidência do Conselho de Ministros e do Centro Jacques Delors. Exija-se aos políticos uma discussão esclarecedora, já! Quanto ao facto de os elementos da mesa de voto ficarem a conhecer uma eventual abstenção pela não entrega do boletim de voto respectivo, actualmente também sabem quem não vai votar. Apenas desconhecem se é por opção ou comodismo.
Claudius puer

1 de junho de 2005 às 10:54  
Anonymous Anónimo said...

Depois de ter postado o comentário anterior, li o artigo do General Loureiro dos Santos, que vem na página 7 do Público de hoje. Por me parecer esclarecedor, transcrevo-o, com a devida vénia ao autor e ao jornal.

Claudius puer

José Loureiro dos Santos

Mais do que o Tratado estabelecido pela chamada Constituição europeia, é todo o projecto europeu que se encontra em análise nos países que o ratificam através de referendo. O que, aliás, mesmo formalmente, parece adequado, na medida em que ele procura condensar o normativo de todos os tratados anteriormente aprovados, além de acrescentar avanços significativos.
Muitos responsáveis políticos estão convencidos de que os progressos institucionais da União Europeia, efectuados em determinados contextos, constituem uma situação adquirida irreversível. E pensam que tais progressos podem e devem ser acentuados.
Estão enganados... As circunstâncias alteram-se. Muitas delas radicalmente.
Em termos estratégicos gerais, o projecto europeu nasce, e justifica-se, sobre os escombros da II Guerra Mundial, no Ocidente de uma Europa dividida entre os EUA e a União Soviética, com o pólo de poder germânico repartido pelas duas superpotências. Por razões de segurança e bem-estar, a unidade europeia era aconselhável. Assim desejavam os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental.
O período da guerra fria e o esforço norte-americano na defesa permitiram a segurança que os europeus almejavam, e propiciaram níveis de bem-estar nunca vistos em outro tempo e lugar da história da humanidade, materializado no modelo social europeu.
Só que, com a queda do Muro de Berlim, as coisas modificaram-se. O espaço geopolítico europeu anterior à guerra fria está a recompor-se, com a Alemanha a reassumir a sua posição liderante, e todos os outros actores a procurarem posições relativas vantajosas. A Rússia, embora debilitada, continua um actor de peso, e tenta recuperar o poder perdido. O islão tenta obter um lugar mais favorável no quadro internacional, emergindo actores que reforçam a sua capacidade de afirmação, recorrendo aos combustíveis fósseis que possuem e/ou buscando o nuclear. Fundamentalistas de base islamita usam o terrorismo contra inocentes, que se derrama no interior da Europa. Cativam muçulmanos europeus e transformam o espaço comunitário em base e alvo da prática de atentados. Os efeitos da globalização fazem a Ásia regressar ao comércio internacional, com uma capacidade de competição que ameaça a economia e o tecido social da União Europeia.
Ao lado de um progressivo alargamento da União, propiciado pela queda do Muro, cujo bem-estar e estabilidade a transformava em pólo de atracção para os deserdados, teve lugar uma profunda acentuação institucional, que a Constituição retrata. Esta institucionalização, simultaneamente em dois sentidos (intergovernamental, conferindo peso desmesurado aos "grandes", e comunitário, retirando atributos de soberania aos Estados-membros), procura responder às mencionadas mudanças do contexto estratégico.
Só que todo o processo foi conduzido pelas elites políticas, à margem da vontade dos cidadãos. Na altura em que estes são directamente atingidos pelos efeitos negativos das modificações estratégicas já descritas, nomeadamente aumento do desemprego e eliminação de muitos dos benefícios do modelo social que fez da Europa íman de emigrantes, os europeus começam a interrogar-se sobre a bondade das medidas que conduziram a esta situação. E elegem a Constituição europeia como o principal, se não único, bode expiatório. Até porque estão habituados a ver os responsáveis que os governam a justificar a necessidade de impor sacrifícios, precisamente com decisões dos órgãos institucionais da União...
Daqui, ser natural concluir sobre a culpa destes decisores, longínquos, que os europeus não controlam. Para quem teriam sido transferidos demasiados atributos de soberania dos Estados, fazendo com que estes sejam impotentes perante todas as ameaças que vão demolindo os seus empregos, o seu bem-estar, e colocam em causa a sua segurança física. Ou abalam os seus valores culturais, através de vagas "desregradas" de imigrantes, que olham com desconfiança.
Neste ambiente, quando os cidadãos são chamados a pronunciar-se sobre o que pensam da Constituição, tudo vem à superfície, em debates apaixonados, levados a cabo pelos políticos. Muitos dos quais estão bem mais interessados em tirar proveito político interno das múltiplas ambiguidades do Tratado e das consequências que originaram, do que em analisar friamente a Constituição. Esta serve para tudo e para nada, e pode conduzir a qualquer destino. Depende das posições conjunturais dos que mais mandam na União, portanto dos seus interesses.
Não é muito arriscado afirmar que, em todos os países onde se efectuarem referendos, a ignorância em que os cidadãos foram mantidos pelos respectivos governos, e os medos que a situação actual provoca, conduzirão a resultados semelhantes. Se as consultas não forem camufladas por outros assuntos locais mais prementes, que impeçam os cidadãos de se interessarem pelas questões da Constituição (como será em Portugal com a simultaneidade das autárquicas).
Tudo indica que se foi demasiado longe e depressa demais. Os cidadãos ainda vêem os respectivos governos, nos quais delegaram autoridade, como responsáveis perante si. Não se sentem ligados à União, da qual só querem benesses e se sentem afastados, especialmente por culpa dos políticos que não os informaram devidamente, ou lhes não deram oportunidade para se informarem.
Se o estatuto da superpotência europeia, para fazer face aos Estados Unidos (?), for prosseguido demasiado depressa, a fim de "manter a bicicleta de pé", não será de excluir uma colisão tal com a história, que os países europeus, em busca do óptimo, se ficarão pelo péssimo.
É certo que o entorno estratégico que nos envolve, tanto o de natureza económica como o que se relaciona com a segurança, não é mais compatível com a actuação isolada dos Estados nacionais "armados" dos atributos westefalianos de soberania, à velha maneira dos séculos XIX/XX. O ritmo das relações internacionais é hoje pautado por grandes espaços geopolíticos. As realidades económicas e de segurança exigem, no âmbito da globalização, abordagens eminentemente competitivas, mas também cooperativas.
A necessidade de competição económica só preservará benefícios sociais próximos dos que os que caracterizam o modelo social europeu, se ela se efectuar por grandes economias, tecnologicamente avançadas.
Terá o espaço económico europeu, dispondo de uma moeda única, com um mercado de 400 milhões a 500 milhões de pessoas com elevada formação, dominando tecnologias avançadas e produzindo bens de elevada qualidade, condições para competir com espaços de semelhante nível? E de manter prestações sociais relativamente favoráveis aos seus habitantes, desde que esteja disposto a proteger-se, pontualmente, de outros espaços sem prestações idênticas, e que, por as não terem, podem abalar o modelo social europeu?
Isto exige soberania partilhada: cedência de alguns atributos nacionais ao conjunto da União, para que todos retirem vantagens.
Mas é indispensável procurar a correcta medida. O que não tem sido feito. Especialmente no domínio político. Parece haver exageros na subordinação das Constituições nacionais ao direito comunitário. Perdem os Estados-membros o poder de definir o seu destino, que, afinal, é o conteúdo de uma Constituição? Assim como no facto de passarem para o âmbito da União as políticas externa, de segurança e de defesa - para já exigindo a unanimidade, não se sabendo o que nos reserva o futuro próximo, se continuarmos nesta velocidade. Será que alguém está disposto a morrer pela Europa, assim como há quem se disponha a morrer por Portugal, pela Espanha, pela França, etc.?
Tudo o que respeita à segurança das pessoas, tanto aos direitos sociais básicos como à segurança física, deverá ser objecto de especial atenção por parte do Estado. E as pessoas terão de sentir aquela segurança. E entender os ajustamentos que lhe forem feitos.
A falta de informação pode fazer implodir a UE. E não é líquido que isso aconteça sem convulsões. O tudo querer (de alguns) pode trazer o tudo perder (de muitos). É o que, provavelmente, acontecerá se o ritmo dos processos de alargamento e aprofundamento institucional, se não efectuar ao ritmo que querem os cidadãos, e for antes marcado apenas pela vontade das elites. General

1 de junho de 2005 às 11:14  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Caro Claudino,

Algumas notas:

Ao contrário do que se pode entender pelo que escrevi, o problema da abstenção EM UMA DAS DUAS votações não é exclusivo da votação "europeia" (embora seja o caso mais provável).

Quanto ao que é dito que, quando não se vai votar, também se sabe que a pessoa se absteve, é verdade.
Mas (pelo menos na minha freguesia é assim), se eu não entregar algum dos boletins, há muita gente que fica a saber(as pessoas que estão na fila).

Também o problema que advém do facto de as pessoas votarem "em função de tudo menos o que está em
causa" é bem real.

É, aliás, esse o maior problema.
Como digo no meu texto, são os próprios políticos que incentivam a isso e tiram conclusões abusivas dos resultados das eleições (uns, demitindo-se, outros exigindo demissões)

1 de junho de 2005 às 12:37  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Correcção:

A referência ao facto de as pessoas votarem "em tudo menos no que está em causa" foi referido no "post" «Os pobrezinhos da minha tia», e não neste.

1 de junho de 2005 às 14:14  
Anonymous Anónimo said...

Uma votação com a expressão da francesa não deixa lugar a dúvidas.
Resta-nos respeitá-la.

Mas continuarei a defender o «SIM» e a temer as consequências da caixa de Pandora que se abriu.

Quanto aos referendos e à sua democraticidade é formalmente indiscutível.

Mas não poso esquecer os referendos portuguese sobre o aborto e a regionalização, nem a Constituição fascista de 1933.

1 de junho de 2005 às 18:02  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

"Formalmente", claro que sim - não há nada mais democrático que um referendo!

Mas se, na prática, os votantes são encorajados (ou levados pelas circunstâncias) a votar segundo critérios que não são os que estão em votação?

O Vital Moreira escreveu recentemente sobre isso e, pelo que li, acho que tem razão.

1 de junho de 2005 às 18:18  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Embora não me identifique politicamente com ele, gosto de ouvir o JPP e ler o que escreve.

Pelo menos faz pensar, o que já não é nada mau nos tempos que correm.

Assim, aqui ficam dois "posts" recentes publicados no «ABRUPTO»:

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HÁ QUEM NÃO APRENDA NADA

Esta insistência em “continuar” com a Constituição contra tudo e contra todos, afirmada por Jean-Claude Juncker., Durão Barroso e Freitas do Amaral, mostra a cegueira e a falta de espírito democrático (e na vez dele, espírito burocrático) com que se pretende impor uma solução indesejada. Por um lado, não querem perder a face, por outro, não sabem sair do sarilho em que se meteram. Mas o que mais falta é bom senso, porque qualquer pessoa que pense percebe logo que esta é uma atitude que só aprofundará a crise para que empurraram a Europa. Alguém pensa que sem a França, a Holanda e o Reino Unido, pelo menos, é possível haver uma União Europeia assente nesta Constituição?

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TEMOS DIREITO A VOTAR “NÃO” OU NÃO PODEMOS?

Reproduzo aqui o que escrevi há mais de um mês sobre o referendo francês. Não preciso de mudar uma linha.

Como os dinamarqueses, os irlandeses e os suecos no passado, os franceses não podem votar “não” em matérias europeias. Como os portugueses num futuro próximo, também lhes vai ser descrito o apocalipse que cairá sobre eles se votarem “não”. A Europa é muito democrática, mas só se lhe pode dizer “sim”, nunca “não”, e os cidadãos dos países europeus tem o nefasto hábito de o fazer ou de então ficar em casa em massa, deixando “sins” mirrados e perplexos.

O vilipêndio dos que querem votar “não” começa antes de votarem. O voto “sim” é sempre o iluminado, o progressista, o que aposta no futuro, o dos que não tem medo. O “não” nunca é um “não” ao modo como está a ser construída a Europa, é sempre uma mesquinha soma de pequenos interesses corporativos e nacionais, sempre uma manifestação de vistas curtas da política interna de cada país, sempre menor.

Não tenho nenhuma simpatia política e ideológica pelas razões que levam muitos franceses a votar “não” à Constituição europeia porque não querem abrir o seu mercado à competição e à mão-de-obra de serviços mais baratos permitido pela directiva Bolkestein. Os franceses querem sempre “excepções”, na cultura e no “social”. Apoiados por tudo o que é esquerda europeia que entende, e bem, que o “modelo social europeu” assenta na closed shop, mobilizaram-se para combater aquilo que chamam a “deriva neo-liberal” da Europa, personificada no Frankenstein-Bolkestein e no nosso pobre José Manuel Barroso, apanhado no tiro cruzado.

Mas não é isso que é democrático, votar sim ou não conforme entendemos que uma lei ou directiva nos atinge e afecta? E não é um sofisma pretender que o voto nobre nos “princípios” da Constituição está “acima” moral e politicamente das políticas que dela decorrem e que ela, com todo o seu upgrade dos poderes burocráticos, potencia?

(De A LAGARTIXA E O JACARÉ, na Sábado, Abril 2005)

1 de junho de 2005 às 18:39  

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