23.6.05

A «mecânica» da Justiça

- Já falaste com o teu tribunal?

- Não, falei com o teu.

COMO se sabe, em relação aos serviços mínimos decretados pelo Ministério da Educação para a efectivação dos exames, os sindicatos interpuseram providências cautelares.

Viemos agora a saber que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa decidiu uma coisa, enquanto o seu congénere de Ponta Delgada decidiu exactamente o oposto!

Ora isso remete-nos para a «Mecânica Quântica», um tema já abordado no «Expresso» num texto que se pode ler em "Comentário-1".

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Nota (de humor?) adicional:

Hoje, no telejornal da noite, um "entendido" explicou-nos que o facto de haver dois tribunais a decidirem de forma oposta só deu nas vistas... porque se tratou do mesmo assunto e no mesmo dia!

Aliás, no texto que está em "Comentário-1" está dito o mesmo: «isso é normal» - só falta dizer que é «desejável».

3 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

NATURALÍSSIMO!

Diz-nos o senso-comum que, se de um determinado ponto e nas mesmas circunstâncias se deixar cair um corpo várias vezes, ele vai cair sempre no mesmo sítio.

E foi essa noção (de que «as mesmas causas provocam os mesmos efeitos») que levou, durante séculos, a pensar-se que era possível prever o futuro desde que se conhecessem as «condições iniciais».

No entanto, no início do século XX (com o aparecimento da Mecânica Quântica) ficou provado que a realidade não se comporta assim - há apenas uma certa «probabilidade» de que as coisas aconteçam de certa maneira.

De tal forma isso parece pouco convincente que o próprio Eistein nunca aceitou esse «indeterminismo» - dizia ele que «Deus não joga aos dados», mas estava errado; e é pena, pois se há pessoa que quase sempre teve razão foi o Grande Albert!

Mas possivelmente o azar dele foi ter morrido em 1955 pois, se hoje fosse vivo, ficaria convencido da veracidade da Mecânica Quântica.

Bastar-lhe-ia apreciar o que sucede com o processo da Casa Pia, em que sucessivos juizes e tribunais se vão desautorizando uns aos outros - mostrando claramente que as mesmas causas, nas mesmas circunstâncias, podem gerar efeitos diametralmente opostos.

Felizmente, para que ninguém pensasse que «está tudo doido», um senhor muito entendido nessas coisas apareceu na televisão, na terça-feira passada, a explicar-nos que é tudo natural, pois «a Justiça é mesmo assim».

Foi nessa altura que me veio à cabeça a canção da Gabriela: «É tudo natural, etc. e tal...»; mas ligeiramente diferente: «É tudo natural, estamos em Portugal...».

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CMR - Publicado no "EXPRESSO" - "Carta Branca", em 4 Set 04

23 de junho de 2005 às 11:28  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

CARTA ABERTA À SENHORA MINISTRA DA EDUCAÇÃO

Venho falar-lhe, Senhora Ministra, com o direito que me dão mais de trinta anos de docência, na árdua tarimba do ensino nocturno de alunos invisuais e adultos trabalhadores, em épocas de fascismos encapotados e ordenados miseráveis e, após a libertadora Revolução dos Cravos, de adolescentes durante 27 anos em escolas públicas, com dezenas de projectos feitos com e para os alunos.
Venho falar-lhe com o direito que me dá uma vida inteiramente devotada ao ensino, escolhido e exercido com paixão, não a paixão-política-para-eleitor-ver mas aquela que é esculpida com fogo, suor, sorrisos e lágrimas, nessa partilha mágica de descoberta que foi e ainda é o acto de ensinar.

Venho falar-lhe com a autoridade que me dá a certeza (fácil de provar) de nunca ter usado um atestado falso, de ter pago todos os meus impostos, de cumprir horários e programas, de sempre ter estimado e respeitado os alunos, pondo os seus interesses à frente dos meus, de não me aproveitar dos bens da escola para uso próprio, mas, pelo contrário, de sempre ter pago as minhas acções de formação feitas fora dos tempos lectivos, assim como os milhares de livros de estudo e outros materiais de trabalho para me manter actualizada (sem descontos no IRS) e até as fotocópias para dar aos alunos (que o Ministério não paga), as deslocações e os projectos para seu benefício, feitos igualmente fora das aulas sem receber horas extraordinárias e à custa da minha vida familiar e do agravamento da minha deficiência de visão, portanto, posso falar-lhe com a consciência tranquila de, tal como muitos milhares de professores meus colegas, ter simplesmente cumprido o meu dever. Mesmo quando a indisciplina e o desinteresse dos alunos e a indiferença de encarregados de educação e agentes ministeriais o ferem de morte.

Raramente os professores fazem greve, para não prejudicar os alunos (por isso pouco conseguimos para a estabilidade das nossas carreiras). Quantos alunos e professores não prejudicou a Senhora Ministra ao encerrar o ano lectivo mais cedo, em tempo de revisões para os exames, a fim de boicotar a greve dos professores? Pensou, por acaso nisso?
Por tudo isto, Senhora Ministra, creio-me no direito de lhe expressar a minha indignação, mostrar-lhe o meu desgosto e a minha repugnância por V. Ex.a pretender retirar a esta velha professora de 60 anos e cabelos brancos, que nem por medo da PIDE se domesticou, um dos seus direitos mais sagrados, que é o direito à greve, requisitando-a civilmente para fazer vigilância aos exames de terça-feira, 21!
Em mais de 30 anos de carreira, passados nas sucessivas reformas desastrosas de que o Ministério da Educação, que V. Ex.ª dirige hoje, tem sido fecundo, nunca nenhum Governo de esquerda ou de direita quis aviltar a sua imagem com tal procedimento. Falo dos governos depois da Revolução do 25 de Abril, a dos Cravos, lembra-se?, a desse 1º Ministro Vasco Gonçalves, que morreu na semana passada e nem mereceu as honras de um dia de luto nacional por parte do vosso Governo.
Vai punir-me, ao fim de uma vida de trabalho devotada ao ensino, com um processo disciplinar? Pelo crime de querer manter a minha integridade e me recusar a furar uma greve? Vai, Senhora Ministra?
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Deana Barroqueiro, professora efectiva da E. S. Passos Manuel

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Esta Carta de Deana Barroqueiro(escritora já referida neste blogue), foi também publicada no «DN» e no «Público» em 22 Jun 05)

23 de junho de 2005 às 13:08  
Blogger maria said...

“Alguns menosprezam as decisões, argumentando que todas as decisões possíveis acabarão por ocorrer … Outros afirmam que todas as decisões devem ser ponderadas e integralmente respeitadas … Uns e outros vivem felizes em mundos contraditórios, desde que conheçam as razões da existência de cada um deles.”
Alan Lightman in Os Sonhos de Einstein p.18

Fazendo uso deste bocadinho de livro, por me parecer que junta num parágrafo curto o primeiro e o segundo comentários, vamos lá: Está tudo louco, sim! e, pior que isso, julgo, toda a gente convencida que pode estar louca por "já não haver ponta por onde se pegue" nisto... sendo este "nisto" o que melhor jeito der, na circunstância que for. A desgraça é vermo-nos, tantas vezes, levados a concluir que, ainda que conheçamos "as razões da existência de cada um deles", não perceber! (ou perceber e não querer acreditar que é assim por que é assim...)

Resta que nos seja possível dar voz à indignação... e fazer tudo (ainda que no nosso muito curto espaço de acção) TUDO para dar a volta a "Isto"!

23 de junho de 2005 às 14:14  

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