27.7.05

«Acontece...»

É como um filme bonito
mas não sei como acaba

TODOS os dias a gente ouve as rádios, vê os jornais e os telejornais e parece que só há desgraça e aflição. Parece que os jornalistas editores só sabem seleccionar dramas para informar o público. Por isso resolvi encontrar um editor que aceitasse uma história da vida real que é o contrário disso tudo. É uma história verdadeira, passada no Portugal de hoje. Não invento nada, a não ser o nome do herói do filme, a quem vou chamar Ricardo, porque o próprio não me autorizou a divulgar a sua identidade.

Ricardo é um rapaz de 19 anos, que nasceu e vive numa aldeia do interior. É um rapaz pobre. O pai é pastor e a mãe varre ruas. Gente de trabalho, honesta e, apesar das dificuldades, muito agradável e bem disposta. Não sei porquê, mas parece que, no campo, as dificuldades não fecham as caras das pessoas como nas cidades…

Há dois anos, Ricardo esteve para desistir dos estudos. Andava então no 10º ano, as notas eram razoáveis, mas o dinheiro não chegava. Houve uma grande conversa em família e todos perceberam que o Ricardo tinha de encontrar um emprego. Mas uma irmã do rapaz, que já trabalha há dois anos longe de casa, quando chegou de fim-de-semana e soube da decisão, zangou-se e teimou que havia de ser ela a pagar os estudos do irmão. E assim foi, depois de muita discussão.

Todas as manhãs, durante dois anos Ricardo caminhou um longo percurso a pé para apanhar a camioneta que o levava à escola. À tardinha chegava, metia-se no quarto, ninguém sabia dele até ao jantar e, depois, para o quarto regressava. Pouca televisão, muita música, muita leitura, muito trabalho de desenho. Magro, alto, sorridente, metido consigo, pouco falava da sua vida.

Até que, há dias, chegaram as notas finais do 12º ano. Com 19,9 valores em Geometria Descritiva, o Ricardo tinha conseguido a melhor nota da sua turma e uma das melhores do país !

Agora, serenamente, Ricardo confessa que o seu sonho maior é a Arquitectura. Mas sabe que não há dinheiro para isso lá em casa, mesmo com toda a boa vontade da família inteira. Vai meter os papéis para uma bolsa de estudo, a ver se consegue abalar lá para muito longe, para Lisboa, que ele mal conhece. Entretanto, não perdeu tempo e já começou a fazer um trabalhito temporário que lhe dará uns tostões bem necessários.

Apeteceu-me vir aqui contar-vos esta história. Primeiro, porque é uma história de ânimo, perseverança e mérito. Em tempos de tanto desânimo e tanta desistência por aí, uma família exemplar cerrou fileiras e um jovem consciencioso pôde triunfar.

Mas, em segundo lugar, para vos dizer que fico à espera de ver o fim deste filme. Como vai ser tratado pelo Estado, neste Portugal europeu do século XXI, um jovem que deu provas de valor mas… é filho de pastor… é, simplesmente, pobre. Um pobre pode ser arquitecto, aqui ?

Carlos Pinto Coelho - jornal «metro» 27 Jul 05

Etiquetas:

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

caro sorumbático, provavelmente o jovem vai ficar à espera da bolsa e ela não vai chegar.... aconteceu com um jovem meu conhecido, que, há uns anos atrás, quando entrou na faculdade de ciencias, também tinha uma das médias mais altas do país e agora até já acabou o curso e já se licenciou e está presentemente a trabalhar na tese e ainda continua todos os anos a meter os papeis para a bolsa , que nunca chegou... como não é filho de um pobre pastor, os pais lá foram arranjando aqui e ali uns tostões para lhe ir pagando, ano após ano, os estudos.... lilly of the valley

27 de julho de 2005 às 12:17  
Anonymous Anónimo said...

Passe a ironia negra, mas o filho do pastor ainda está cheio de sorte. É que um jornalista teve conhecimento da sua história e veio para a praça pública contá-la. E os outros filhos de pastores que não têm jornalistas conhecidos a falar deles???...

27 de julho de 2005 às 13:42  
Blogger heidy said...

Boa sorte a todos os Ricardos deste país. É a unica coisa que vos desejo.

27 de julho de 2005 às 16:44  

Enviar um comentário

<< Home