Flexigurança: os riscos da mudança
Por J. L. Saldanha Sanches
A NORMA QUE LIMITA a possibilidade de despedimento e a que atribui uma pensão ao desempregado são justificadas pelos mesmos princípios.
Ambas têm custos: custo financeiro directo e computável suportado pelos impostos na pensão paga ao desempregado e custos económicos suportados pelas empresas nas restrições aos despedimentos.
Provavelmente, num cômputo geral, o custo do financiamento directo pelos impostos desses direitos sociais é menor do que os custos efectivos mas ocultos que as restrições criam ao funcionamento da economia.
Da mesma forma que na Europa os sistema de saúde pagos pelos impostos são muito mais baratos (e de muito melhor qualidade) do que o sistema norte-americano pago pelas empresas (as que ainda pagam) e pelos utentes.
O modelo nórdico prova que um sistema que retira o carácter quase definitivo à contratação de trabalhadores e retira dramatismo à mudança de emprego é eficiente.
Se é assim porque não mudamos?
Se é assim porque não mudamos?
Há duas razões muito simples.
As mudanças nunca são neutras: há grupos que perdem e grupos que ganham, e os que perdem protestam. E para aceitar a mudança é preciso alguma confiança no Estado e nas instituições e por cá essa confiança anda por níveis muito baixos.
Mudança impossível? Não necessariamente.
Do ponto de vista conceptual, a flexigurança nórdica incorpora e pressupõe uma análise económica dos direitos (a economia política do Estado social) que se contrapõe ao formalismo retórico e vazio da concepção tradicional.
Os direitos têm um custo e uma função: vamos ver quanto custam e como funcionam e fazer escolhas em vez de mergulharmos num discurso falsamente multiplicador dos direitos existentes que é pura retórica jurídica.
Veja-se o entusiasmo do discurso garantista da Constituição portuguesa (mesmo depois das revisões) ou da Constituição brasileira, compare-se com as realidades sociais subjacentes e retirem-se as devidas conclusões.
Por isso, a lógica da flexigurança (que não é uma geringonça a importar, chave na mão, da Dinamarca, mas um instrumento analítico) há-de fazer o seu caminho. Mesmo entre nós. Para resolver situações que são intoleráveis como os falsos recibos verdes, com descontos independentes das receitas e sem quaisquer benefícios sociais. A flexibilidade a 100% com segurança zero. Ou para tornar menos inabilitantes as insuficiências da formação escolar ou profissional.
O ritmo de mudança na economia é hoje tão intenso que qualquer sistema rígido tem mesmo de mudar para não ser destruído: o que a flexigurança prova é que a mudança é possível sem se cair na lei da selva.
Adenda: Segundo o Finantial Times, nas olimpíadas de matemática (dados OCDE), os nossos jovens só ficam à frente dos mexicanos e dos gregos apesar de despesas avultadas. São más notícias, mas ninguém vai ligar.
Esperemos que o sucesso dos nossos atletas nas próximas olimpíadas de Pequim nos compense desse pequeno revés.
E não será possível pôr uma bandeira qualquer nas janelas para resolver este problema?
«Expresso» de 22 de Setembro de 2007
Etiquetas: JLSS
4 Comments:
Correndo o risco de ser polémico e de não ter percebido as palavras de Saldanha Sanches... por muito doloroso que seja para todos os envolvidos, a análise da flexigurança terá que ser feita ao nível dos números, sem contemplações. Ou seja, o bem-estar e segurança financeira criada pelo novo modelo tem que ser superior ao que é gerado pelo sistema actual, corrigindo o máximo de defeitos, como, entre outras coisas, a questão dos falsos recibos verdes.
Não podemos é importar um modelo "pronto-a-vestir" e aplicá-lo ao nosso país. Tem que se fazer muito "corte e costura" para ajustar o modelo ao país.
É claro que ninguém gosta de perder direitos, mas se com isso se ganhar de uma forma global, haverá outro caminho?
PS: Relativamente às Olimpíadas da Matemática, as medalhas ganhas são como as dos mundiais de atletismo: ganhamos medalhas, mas são poucos os atletas e são parcas as condições criadas para os "treinos".
Há ainda um longo caminho a percorrer até chegarmos onde é preciso.
No meu modesto ponto de vista, a fexigurança chegará, mais tarde ou mais cedo, a Portugal, pelo que não será metendo a cabeça na areia que o problema não nos tocará. Melhor seria que os sindicatos, sempre contra qualquer mudança no statu quo, aceitassem discutir o assunto, com realismo,não deixando que ele venha a ser resolvido unilateralmente pelo Compromisso Portugal ou pelo Engº. Ludgero Marques.
A questão da Matemática é velha e não sabendo o elementar (a tabuada, desde logo), não há medalhas, como as recentemente obtidas em Coimbra, que encubram a realidade.
Perder direitos e ganhar de uma forma global?
Parece a história da cenoura e do burro...
Caro Joca, eu disse que corria o risco de corria o risco de ser polémico...
Um abraço
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