Não pergunte
Por Rui Tavares
CONSIDEREMOS COMO UMA MENÇÃO DE CAVACO SILVA aos salários dos executivos de empresas foi recebida em Portugal. Os adjectivos mais usados: “populista” e “demagógico”. Encontramos também “infeliz” e “insólito”. Na Quadratura do Círculo da SIC o panorama foi tão variado como o electrocardiograma de um cadáver: Pacheco Pereira optou pelo “populista e demagógico”, Lobo Xavier pelo “infeliz e insólito” e Jorge Coelho achou que “não fazia sentido” falar do assunto. O presidente foi até acusado de, crime dos crimes, “ter piscado o olho à esquerda”.
A reacção generalizada foi resumida pelo Jornal de Negócios assim: “Falar em desproporção salarial é «ceder à demagogia»”. Reparem bem, não é fazer algo. Não é pensar em fazer. É simplesmente falar do assunto. Ou, como fez o presidente, “interrogar-se” sobre se seria “justificada” a diferença entre os salários dos administradores e os dos colaboradores.
Temos às vezes a impressão errada de que a maioria da opinião publicada em Portugal é conservadora. Infelizmente, é pior do que isso: limita-se a ser uma reacção instintiva de protecção do status quo.
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CURIOSAMENTE, é preciso ir à imprensa económica para encontrar uma cantiga diferente: um editorial do Jornal de Negócios considerou que a referência de Cavaco Silva “faz todo o sentido”. E onde lemos, já há bastante tempo, que os administradores do BCP estavam a “ir ao bolso” dos seus accionistas com os altos salários de que usufruíam? No Wall Street Journal, nem mais nem menos. Em Portugal seria impossível escrever com uma clareza destas.
Porém, como revelou um estudo especializado da Mercer, Portugal é o país da UE em que a diferença salarial é maior: os administradores ganham trinta e duas vezes mais do que os funcionários, contra quinze vezes em Espanha, quatorze vezes no Reino Unido e dez na Alemanha. E isso não é só porque os funcionários ganham pouco: os altos gestores portugueses ganham os segundos melhores salários da UE, em termos absolutos, só atrás dos ingleses.
E o que nos dizem a isto os defensores do status quo? Que os gestores, para serem de qualidade, têm de ser bem pagos. E que os gestores portugueses têm de ser bem pagos porque a qualidade não abunda. Sim, é contraditório. Sim, é circular. A conclusão é que os gestores portugueses têm de ser bem pagos porque sim.
Em 2006 os administradores do BCP receberam 3 milhões de euros de vencimento, cada um. Entretanto, esses génios da finança destruíram a credibilidade do banco, perdoaram empréstimos a familiares e amigos e, só nos últimos seis meses, o banco perdeu um terço do seu valor. Pior ainda, corre uma investigação por suspeitas de terem enganado a bolsa criando empresas off-shore para comprar as suas próprias acções.
Pergunto-me se não deveríamos antes contratar gestores alemães, que ganham menos e não consta que sejam piores nem mais vigaristas. Mas não quero ser populista nem demagógico. Eu sei que nos EUA toda a gente faz este debate. Na Alemanha, o governo conservador de Angela Merkel fala em intervir para tabelar os salários dos gestores. Mas em Portugal é melhor nem nos interrogarmos: é insólito.
«Público» de 16 de Janeiro de 2008 - c.a.a.
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