5.1.08

A Via Legal do Abre-te Sésamo

Por J. L. Saldanha Sanches
A CRIAÇÃO DE REGIMES JURÍDICOS que têm como fim principal ou exclusivo a captura de rendas são um facto bem conhecido do capitalismo de hoje.
A lei do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas não pode ser explicada por este conceito; é pior: um assalto às receitas públicas por meios jurídicos e uma ameaça para os contribuintes portugueses. A estes já compete sustentar a ineficiência, o desperdício e o roubo no que diz respeito à gestão de recursos públicos: agora vão ter que pagar, também, as omissões legislativas.Se a Assembleia da República não tratar de aprovar as normas que poderiam impedir a ineficiência ou o desperdício o Estado (os contribuintes) deve indemnizar. É o que determina a lei feita pela Assembleia da República. Exemplo: um empresário (que não quis subornar ninguém) espera dez anos para que as cinquenta e cinco entidades que têm de dar parecer sobre o seu projecto se dignem pronunciar-se. Temos culpas do legislador, que criou e deixou perdurar o matagal legislativo, e das tais cinquenta e cinco entidades que funcionam com a velocidade de uma lesma com asma. O empresário esperou anos e anos e perdeu milhões com esta demora absurda. Remédio: uma acção contra o Estado que certamente vai ganhar. Estado funciona mal e não se trata de o fazer funcionar melhor mas de forçar o contribuinte a pagar as custas.
Esta norma, cujas consequências estão a causar arrepios ao Presidente da República (que vetou uma versão ainda pior), teve o apoio entusiástico – por motivos de puro interesse público, claro - de constitucionalistas e administrativistas.
Mas também houve, entre os juristas, quem se batesse contra esta lei inconcebível: pior ainda que o custo financeiro que pode vir a ter – uma factura a ser paga pelos contribuintes – é a deterioração que pode provocar na Administração Pública e na Justiça.
Ambos os sistemas funcionam mal: com o direito de regresso que foi instituído vai funcionar ainda pior.
A julgar pelo que vimos no site do Sindicato dos Quadro Técnicos do Estado (que deveria representar os funcionários superiores da Administração Pública) estes ainda se não aperceberam do perigo que paira sobre eles. Criando um direito de regresso sobre o funcionário sem que exista dolo ou culpa grave por parte deste, vai tornar arriscado o exercício de certas funções públicas. Para não falar dos tribunais. Contudo, esta lei foi aprovada pelo PS e pelo PSD, pelo Bloco de Esquerda e pelo CDS (um acordo por demais suspeito) e pela generalidade da opinião pública. Talvez com base na ideia tola que a luta entre o cidadão e o Estado é uma luta entre David e Golias: mas se o Estado é um gigante, é um gigante quadriplégico, cego, surdo e mudo. Os cofres públicos não contêm tesouros como a caverna de Ali-Babá Estado. Têm apenas o dinheiro dos contribuintes. Mas, tal como a caverna da lenda, vão ter as portas escancaradas ao som dos “abre-te sésamo” jurídicos. São os dinheiros pagos por todos nós que o tal Estado vai liberalmente entregar a quem quer que os saiba pedir (pretextos não hão-de faltar), para depois endossar tranquilamente a factura ao contribuinte. Mesmo que seja necessário elevar para 25% a taxa do IVA.
PS: Quarenta anos depois, em vez da Amália e do Eusébio temos a Marisa, o Mourinho e o Ronaldo. Combien plus ça change...
«Expresso» de 5 de Janeiro de 2008

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1 Comments:

Blogger O Gato Preto said...

Só para dar o meu exemplo:
Ideia de construir um restaurante de raiz.
Dei o primeiro passo para tratar do primeiro papel, e abri a porta do dito restaurante SETE, repito, SETE anos depois, completamente ilegal a nível de construção e só recebi a licença de construção dois anos depois de já ter a porta aberta, e saliento que o processo não sofreu qualquer problema legal, apenas seguiu o seu percurso normal (sem cunha, claro).
Se tivesse seguido tudo dentro da legalidade tinha demorado 12 anos com sorte.
Agora venham falar em produtividade.
Parar 12 anos da vida produtiva de um profissional é uma boa média, olha só o pedido de indemnização que isso dava.

6 de janeiro de 2008 às 02:09  

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