Cinquenta banais minutos
Por Baptista-Bastos
UM MEU AMIGO, componente de Os Empatados da Vida, sete camaradas de Imprensa que, às sextas-feiras, se reúnem num almoço, qualifica uma senhora que publica livros como "a escritora desnecessária". Assaltou-me o apodo depois de ouvir José Sócrates, em duplicado, na SIC e na SIC Notícias. O adjectivo poderia ser aplicado ao chefe do Governo. Esteve, apenas, a falar: não disse nada além daquilo que todos nós sabemos. Para que país falou Sócrates? Que portugueses presume Sócrates que nós somos? Um bando de beócios, ou uma maioria subserviente?
Ele insistiu: "Os números não enganam." Enganam, enganam; sobretudo se por ele formulados. Aliás, a utilização dos números serve, ordinariamente, para os políticos ignorarem ou enganarem as pessoas. Disse que foram criados mais 94 mil novos empregos, mas o desemprego atinge níveis assustadores. A aritmética de Sócrates é tudo menos euclidiana e não calha a preceito num engenheiro. Com uma persistência sobressaltante, enreda-se numa teia de enganos. Tentou inserir o absurdo num sistema de ideias cada vez mais absurdas, através de uma combinação extraordinária de realidade com ficção. Cito Ortega: "Não sabemos o que se passa e é precisamente isso que se passa." Ele é bom em televisão, dizem. Se ser bom em televisão representa saber driblar, e escamotear o que tinha a obrigação de dizer - aí, é óptimo. O dr. José Hermano Saraiva também. Não significa que um e outro falem verdade. Embora prefira o segundo, porque quando brama: "Foi aqui! Foi aqui, nesta pedra sagrada, que esteve sentado Gonçalo Mendes da Maia!", sei que o desvario não traz consequências graves - e, acaso, pode suscitar no ouvinte a curiosidade de confirmar o facto numa leitura da História.
A entrevista foi um enfado. Os entrevistadores, sem graça nem rasgo. Os comentadores, um bocejo ininterrupto. Não foi culpa deles. Cinquenta minutos de banalidades. Impossível discretear seriamente acerca de um não-assunto. Eis o busílis: José Sócrates tornou-se num não-assunto político; apenas serve como sujeito de folclore. Valeu a pena assistir à curiosa sessão de esclarecimento, para admirar, de novo e sempre, a serena beleza de Ana Lourenço.
Politicamente, a intervenção do chefe do Governo resultou na bagatela do costume, com os laivos usuais de contida irritação, somente traída pelas contracções da face. Deve ser uma grande chatice tê-lo como chefe de qualquer coisa. Certamente cria um ambiente de crispação que, por vezes, deve atingir tensões dolorosas. Aquelas reuniões ministeriais dificilmente poderão ser percebidas fora de um cenário de melodrama shakespeariano. E a entrevista não escapou à regra: uma pausa na realidade dispersa e trágica. Desnecessária.
«DN» de 20 de Fevereiro de 2008
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1 Comments:
Que nunca te doam as mãos
A canalha anda á solta
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