8.4.08

Pobres

Por João Paulo Guerra
O relatório da execução do Rendimento Social de Inserção revela que o cenário da pobreza em Portugal está a registar uma alteração significativa.
O POBRE JÁ NÃO É TANTO O MISERÁVEL, sem qualquer rendimento e sem abrigo, mas o trabalhador que não ganha o mínimo para sustentar a família. É o empobrecimento que deriva da exploração.
Fica muito bem à casta política manifestar-se condoída com a pobreza. Ilustra o discurso político com tonalidades neo-realistas que rendem dividendos quando se vislumbram eleições no horizonte. O político Tal, detentor do cargo Qual, diz para o ‘soundbyte’ de uma rádio ou televisão ou para o título de uma notícia de papel que está muito preocupado com a pobreza, a exclusão, os coitadinhos. Ou com o desemprego. Ou com outra patacoada social qualquer que lhe empreste um rosto humano. Depois, vai ver-se, e o político Tal é um promotor de legislação, medidas avulsas e influências que criam mais e novos pobres, mais desempregados, muitos mais precários, em favor da lógica da economia de mercearia: despender pelos mínimos e embolsar pelos máximos. Porque a verdade, como já dizia Garrett em meados do século XIX, é que há um número necessário de pobres para fazer cada rico. O que se agrava num país que semeia pobreza para colher clientelas de ricos, nababos, marajás.
Acontece que os votos de todos os marajás juntos não chegam para uma vitória eleitoral à tangente, quanto mais para uma maioria absoluta. Que fazer? “Como é que os vamos enganar?”, perguntava em privado um anterior governante socialista numa postura farisaica que parece ter encontrado resposta. Muito se vai falar de pobreza e de pobrezinhos nos próximos tempos. Quanto aos pobres, habituem-se.
«DE» de 8 Abr 08 - c.a.a.
NOTA: foi decidido atribuir um prémio ao melhor comentário que venha a ser feito a esta crónica até às 20h do próximo domingo, dia 13 Abr 08. Será um exemplar do livro «O Debate-Tabu / Moeda, Europa, Pobreza», de Jean-Paul Fitoussi, cuja capa se pode ver [aqui].
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Actualização (14 Abr 08): na opinião do autor da crónica, o comentário a premiar é o da autoria de "rc". O livro que, entretanto, escolheu já foi enviado.

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4 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

Pena não se voltar ao tempo em que cada família, mais ou menos abastada, tinha os "seus" pobrezinhos, cada um em seu dia de semana pré-fixado. Era tão bonito e as pessoas iam acumulando indulgências, de modo que quando morriam iam para o Céu!

8 de abril de 2008 às 19:20  
Blogger O Puma said...

O regime do medo

cada vez mais impede os pobres

de pedirem.

Ao quisto

chegou

8 de abril de 2008 às 23:11  
Blogger rc said...

A pobreza em Portugal, nos dias de hoje, tem que ser vista nas suas muitas formas.
De facto, a miséria antiga de famílias de 9 filhos a viver numa casa de 2 quartos, em que o jantar era uma panela com água a ferver que aguardava pelos condimentos da caridade, é, felizmente, cada vez menos a regra e mais a excepção.

Os pobres de hoje têm quase sempre o que comer mas estão soterrados por dívidas, que os impedem de viver para lá dessa rotina de trabalhar e comer. São trabalhadores mal pagos, precários, desempregados, são pessoas em permanente instabilidade sem saberem o que será do mês seguinte, se os bancos ou as finanças lhes batem à porta, se a despensa se enche com dinheiro vivo ou com mais um crédito.

Pode parecer pouco, mas o estigma que fica, a vergonha de pessoas habituadas a viver melhor, frequentemente experientes e com formação profissional ou académica, provoca um gueto pessoal e familiar onde nem a caridade consegue chegar.

Mas o Portugal pobre é também o país onde a maioria dos portugueses já não quer profissões duras. Os campos estão sem gente, deixados aos velhos que lá nasceram e a quem não foram dadas mais oportunidades, os trabalhos menos qualificados nas cidades apenas estrangeiros os parecem querer tomar.

É este o Portugal moderno, onde gestores de topo e presidentes e administrados e directores-gerais ganham num mês o que anos de trabalho de muita gente não trás. Onde jovens licenciados permanecem meses ou anos sem emprego e acabam numa caixa de supermercado, ou eternamente perdidos em trabalhos temporários, na luta por serem independentes.
O mal não está só na forma como somos (des)governados, ainda que cada vez menos pudor pareçam ter aqueles que fazem as leis para si, que abrem os lugares para os seus, que retiram o nosso para eles; mas na ausência de valores de uma sociedade amorfa e entregue à passividade. Uma sociedade onde a politica é passatempo de letrados e ricos, e as eleições pouco mais que um domingo em que nada vai mudar.
Os pobres, os remediados, os pouco melhor que assim-assim, serão cada vez mais se não resolverem ter de facto uma palavra no que decidem por eles, todos os dias.

10 de abril de 2008 às 09:49  
Blogger Paracelso said...

"Pobres sempre os tereis ..." Marcos 14,7 João 12,8
A sociedade portuguesa dos idos de 1974 como todas as sociedades mudou.
Chamou-se a esse processo de "globalização" e na sequência das grandes mudanças que a humanidade experimentou, não há volta a dar, é a seta do tempo que os cosmologistas e astrofísicos tão bem definem.
O mundo e a humanidade que o constitui, evolui a uma velocidade cada vez maior e do combóio a vapor ao TGV apenas passaram 200 anos de desenvolvimento tecnológico e científico com duas guerras mundiais pelo meio, que de certo modo relativizaram a rapidez do processo.
E as ideias que afinal constituem o éter onde se move o Homem? Evoluiram do mesmo modo?
Aparentemente não.
Das religiões,dos seus fundadores e pensadores assistimos à ascensão dos fundamentalismos.
Das filosofias humanistas ou de raiz centrada no bem estar do homem e dos povos, verificamos o surgimento de ambiguidades auto proclamadas de terceiras vias e inanidades que tais.
Das economias pensadas para o colectivo, o que aconteceu foi a vitória dos "grandes grupos empresariais e financeiros" que ninguem sabe quem são, onde estão, mas que decididamente não têm nada a ver com os seus concidadãos.
Dos politicos e das políticas, estamos ditos, resultam das permissas anteriores, são "sepulcros caiados por fora...".
No passado,as crises de desenvolvimento social desembocavam em revoluções. Mas estas, tinham por detrás pensadores e anos do amadurecimento das ideias e dos ideais. E hoje onde estão os pensadores?
Como Diógenes procuro à noite na Atenas do meu país por um Homem, mas odiava que esse homem fosse D.Sebastião.
"Bem aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus" Mateus 5,3

10 de abril de 2008 às 18:33  

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