Três Dês
Por João Paulo Guerra
Com toda a generosidade e uma grande dose de ingenuidade, os bravos capitães que fizeram o 25 de Abril de 1974 inscreveram os seus sonhos e ideais para Portugal num Programa baseado em três dês: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver. Já lá vão 34 anos e os três dês são agora outros: Desemprego, Desigualdade, Dependência.
O DESEMPREGO será o maior flagelo de uma sociedade, como a portuguesa, constituída por muito assalariado com défice de formação e muito patrão com excesso de ganância. Ao desemprego propriamente dito, que aborda um drama social manipulando números, somam-se as chagas da falta de saídas profissionais para o primeiro emprego, o espectro do desemprego na idade madura, a incerteza e o arbítrio do trabalho precário.
Mas se o desemprego, nas suas mais diversas modalidades, coloca o comum português que trabalha numa situação de extrema fragilidade pessoal, familiar e social e perante um horizonte de nuvens negras, a maior injustiça da sociedade portuguesa é a extrema desigualdade. Em nenhum outro país da União Europeia se produzem tantos ricos à custa de tantos pobres, em lugar de produzir riqueza. E em nenhum outro país europeu a ostentação do novo-riquismo, quantas e quantas vezes de origem duvidosa, é tão arrogante e parola.
E o terceiro dê é o da dependência. Portugal, que jamais ousou levantar a voz na Europa e que vive em postura de genuflexão perante a Casa Branca, louva-se agora de ter o nome da sua capital associado ao Tratado europeu que acaba de vez com a soberania sobre alguns dos seus mais estratégicos recursos.
Como se dizia nos idos da Revolução, não foi para isto, por estes dês, Desemprego, Desigualdade, Dependência, que se fez o 25 de Abril.
«DE» de 28 Abr 08 - c.a.a.
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3 Comments:
Desculpem-me a impertinência do trocadilho mas, lendo João Paulo Guerra e António Barreto, o Sorumbático está mais para os lados do Chorumbático. Tivessem feito copy/paste do artigo de Vasco, o Valente, publicado no Público sobre a inutilidade do 25 de Abril, e o coro ficava ainda mais composto em tons graves.
Recompus-me do abalo que tanta lamentação provoca ao ler o artigo de Rui Tavares, hoje, no Público: "Força Companheiro Vasco". É um golo lindo!
Porque, caramba!, isto não estará lá grande coisa mas já esteve bem pior.
Para melhorar, chorar não resolve, só desanima. É doentio.
O que seria saudável é que a vocação lamentadora a que são propensos tantos comentadores respeitáveis fosse canalizada para a discussão de ideias que pudessem contribuir para nos safar deste vale de lágrimas em que, pelos vistos dos respeitados comentadores, nos encontramos metidos. Porque, não tendo eu quaisquer dúvidas de que são capazes de dar uma para a caixa das prescrições, é pena que continuem a repetir-nos os sintomas. Há doentes que adoecem só de ouvir aquelas conversas de sintomas a que são propensos os idosos.
Se assim fosse, se conversassem connosco também acerca da posologia, até os jacarandás deixariam de se vestir de melancolia e raiariam aos nossos olhos com aquela ponta de garridice que também faz falta à vida.
O "Sorumbático" só faz 'copy/paste' de artigos com autorização expressa dos autores(iniciais c.a.a., indicadas em baixo).
Há, de facto, um conjunto de cronistas-convidados que cedem as suas crónicas sem restrições.
São eles (entre outros):
Ferreira Fernandes, João Paulo Guerra, Pedro Lomba, João Miguel Tavares, J. Medeiros Ferreira, João Miranda, Alberto Gonçalves, Fernanda Câncio, Carlos Fiolhais, Guilherme Valente, Helena Matos, Clara Ferreira Alves...
Não é o caso de V.P.V. porque não tenho o contacto dele. Se mo facultar, agradeço muito. Estou também a tentar "apanhar" o Prof. Galopim de Carvalho (idem)
Por sinal, o Rui Tavares é um desses autores convidados (o blogue tem muitos textos dele, afixados), e eu costumava copiar as crónicas dele a partir do seu blogue que, no entanto, parou em Janeiro. Já que refere a de hoje (que muito apreciei): se souber onde a posso ir buscar, agradeço muito.
Por uma saborosa coincidência, acabei por tropeçar (via o blogue «5 dias») na(s) crónica(s) de Rui Tavares, cujo 'rasto' perdera desde Janeiro!
Sendo ele um velho convidado do Sorumbático, aqui vai a mais recente, precisamente a referida por Rui Fonseca:
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Força, companheiro Vasco
No filme A Vida de Brian, dos Monthy Python, uma das personagens mais estúpidas pergunta “mas afinal, que fizeram os romanos por nós?”. Alguém sugere: “o aqueduto”, “os esgotos”, “as escolas”, “as estradas”, e por aí adiante. O primeiro vai ficando irritado até que finalmente se vê forçado a responder: está certo, mas tirando os aquedutos, os esgotos, as escolas, as estradas, o direito, o comércio, e essas coisas todas — que fizeram os romanos por nós?
Na sua crónica de sábado sobre “O 25 de Abril”, Vasco Pulido Valente [VPV] garante-nos que “tirando as leis que instituíram a democracia, o PREC não deixou uma única reforma necessária e durável”. Com os termos definidos por VPV, em que 25 de Abril e PREC são tratados como intermutáveis, eis de novo a questão de A Vida de Brian: “mas afinal, que fez o 25 de Abril por nós?”.
Só que a resposta de VPV é mais divertida: “tirando as leis que instituíram a democracia”, nada. Por outras palavras: tirando eleições livres e justas, imprensa sem censura, extinção da polícia política, partidos políticos, fim da tortura e dos presos de opinião, liberdade de manifestação e associação, que fez o 25 de Abril por nós? Nada.
Alguém diz: então e a guerra? Eu não sei se o fim da guerra é uma “reforma”: para mim, é melhor do que isso. Ora, diz VPV, o “abandono de África não provocou nenhuma resistência interna, provando a artificialidade do imperialismo indígena”. Pois tirando o fim da guerra, que foram treze anos de “nenhuma resistência interna” mais a “artificialidade” de uns milhares de mortos, temos o quê? Nada.
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E que reformas nos deixou o PREC? Três ao acaso: universalização das pensões de reforma, generalização das férias pagas e Serviço Nacional de Saúde. Mas não sei se cabem na definição de “necessárias” e “duráveis” de VPV. Terá sido a extraordinária diminuição da mortalidade infantil “durável”? Para os interessados, parece que sim. Terão sido necessárias as pensões adicionais? Para o milhão que passou a usufruir delas em poucos anos, sim. E as férias? Essas, como diz toda a gente, são muito necessárias mas pouco duráveis.
Recapitulemos: tirando os recém-nascidos que sobreviveram, os velhos que recebem pensões, os jovens que não foram à guerra e lotaram as universidades, os adultos que gozaram férias e o pessoal todo que viajou para o estrangeiro sem ser “a salto” e nem precisar de passaporte, que fez o 25 de Abril por nós? Nada.
Vasco Pulido Valente tem no entanto razão se pensarmos que em qualquer revolução há sempre coisas que já vinham de antes e outras que ocorrem depois, que a história é uma coisa atrás da outra, e que o resto é conversa. Um exemplo: a entrada na UE não é o 25 de Abril. Mas é muito duvidoso que chegássemos a uma coisa sem a outra. A não ser, é claro, para as mentes retroactivas da direita portuguesa, que ainda lamentam Marcelo Caetano porque nunca deixaram de acreditar que a única maneira de nos aproximarmos das democracias teria sido sempre dar mais tempo aos nossos regimes autoritários.
Em suma: tirando esse pormenor da democracia, tirando a descolonização e tirando o desenvolvimento, que fez o 25 de Abril por nós? Ridiculamente pouco, pelo menos se comparado com Vasco Pulido Valente, que só nos últimos meses já nos garantiu, para além desta pérola, que Menezes chegaria a primeiro-ministro e Mitt Romney seria o próximo presidente dos EUA.
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29 Abril 2008 | por Rui Tavares, publicado no «Público» e no blogue «5 Dias»
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