12.8.08

O segundo melhor (*)

Por Nuno Crato
ARTHUR C. CLARKE (1917–2008), autor de «2001 Odisseia no Espaço», foi um gigante da ficção científica. O seu colega de escrita Isaac Asimov (1920–1992) qualificava-o como o melhor de sempre. Clarke retribuía o cumprimento dizendo que Asimov era o melhor divulgador científico de todos os tempos.
Como bons amigos que eram, sancionaram essa dupla hierarquia firmando um divertido pacto. Ficou conhecido como o tratado de Park Avenue, pois os dois escritores combinaram a brincadeira durante um passeio ao longo da avenida nova-iorquina. No seu «Relatório do Planeta Três», Clarke escreveu uma dedicatória que intriga os que desconhecem esta história: «De acordo com o tratado Clarke-Asimov, o segundo melhor divulgador científico dedica este livro ao segundo melhor escritor de ficção científica».
Ambos eram grandes ficcionistas e grandes estudiosos da ciência moderna. Arthur C. Clarke revela-o, mais uma vez, no seu último romance, que saiu postumamente em língua inglesa esta semana. Chama-se «O Último Teorema», e é o resultado da cooperação com o escritor Frederik Pohl, que acabou o livro já depois do seu amigo Arthur ter falecido. Fala de descobertas matemáticas que possibilitariam neutralizar comunicações electrónicas e de um novo sistema de elevação de objectos ao espaço.
Em declarações à imprensa, Pohl explicou as dificuldades que teve em terminar a obra. «A ficção científica é laboriosa, disse, e muitos autores jovens refugiam-se na fantasia pura em vez de se envolverem em assuntos difíceis, como a astronomia, a matemática e a física».
Para se ser o primeiro em ficção científica é bom ser-se o segundo na escrita de ciência.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 9 de Agosto de 2008
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(*) Passatempo com prémio: o autor do melhor comentário feito a esta crónica até às 20h de 14 de Agosto será premiado com um exemplar de um dos seguintes livros, à sua escolha: «Da Terra à Lua» (de Júlio Verne, Ed. RBA) ou «Cavaleiros vindos de parte nenhuma» (de A. e S. Abrámov, Ed. Caminho)
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Actualizações (16 e 18 Ago 08): Foi decidido premiar Pedro Tomás, a quem o prémio já foi enviado. Obrigado a todos.

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7 Comments:

Blogger JSA said...

Para se ser um bom escritor de ficção científica é bom que se seja um cientista (no sentido de pensar de forma científica).

Clarke era também um excelente cientistas, tal como provou ao falar no conceito de órbitas geoestacionárias para satélites de comunicações (ainda em 1945!!! - salvo erro). Os seus livros, mais do que entrar na ficção científica, parecem entrar na ciência que ainda não chegou. Os passos mais arrojados, apesar de tudo, eram relativos à natureza humana. Ainda assim, de certa forma, mais um tipo de ciência. E sendo sobre reacções humanas a eventos ainda não reais (mas possivelmente reais num futuro), talvez se possam classificar de ficção científica.

Infelizmente, sobre Asimov sei menos, quase me reduzindo ao que vi em filmes adaptados de obras suas. Pouco, é verdade.

Talvez se possa disputar se Asimov era realmente o melhor divulgador científico, mas a frase de Clarke, em si mesma, resume o essencial. Independentemente de serem ou não os melhores, consideravam o outro o melhor. E isso também diz muito acerca de dois homens de ciência e de escrita.

infelizmente, a fusão das duas área sna ficção científica é frequentemente desprezada pela literatura "tradicional", considerando-a mais infantil ou juvenil, não lhe reconhecendo a qualidade que merece. Infelizmente, até a banda desenhada é mais reconhecida, especialmente quando, ao querer retratar ficção científica, recai na ficção pura.

12 de agosto de 2008 às 14:34  
Blogger Pedro Tomás said...

Mack abriu os olhos com o despertar induzido directamente no seu cérebro pelo computador biónico que tinha lhe tinha sido implantado à nascença. Eram 20:00h, e a temperatura lá fora estava nuns sufocantes 53º C. Ia começar o trabalho às 21:00h, como habitualmente, hora a que a temperatura começava a descer gradualmente para uns amenos 41ºC. A noite de trabalho ia ser agradável.

Levantou-se e colocou os pés no chão. As luzes acenderam-se de imediato. A cama recolheu para a parede, com a sua parte inferior virada para fora, que se ligou automaticamente, mostrando o ecrã com 80 polegadas do Centro Multimédia. As notícias foram imediatamente apresentadas, não porque estava na hora, mas porque os programas de TV funcionavam a pedido e a sua lista pré-programada começava com o resumo de notícias. Primeiro o mundo, depois as nacionais e depois as locais. Avançou em direcção ao WC, e a imagem no Centro Multimédia apagou-se, transferindo-se para o espelho, continuando com as notícias enquanto fazia a barba com a máquina de barbear. Havia poucas novidades. A China tinha derrotado a velha aliança NATO/Varsóvia no combate pelo controlo do Pólo Norte, o sítio onde haviam as maiores reservas de água potável e metano do mundo. Em África, continuava a debandada dos refugiados por causa da seca. O bloco de cerca de 20 países do Leste da União Europeia era o destino, com as suas temperaturas amenas, apesar do controlo fronteiriço apertado.

Tomou o seu duche atmosférico de alta pressão de 5 segundos e vestiu-se rapidamente. Aplicou o protector UV na cara e nas mãos, não se esquecendo da parte trás do pescoço, cuja incidência de cancro era a maior causa de morte a nível mundial. Não tinha tempo para tomar o pequeno-almoço, por isso saiu directamente para o trabalho.

Saiu e desceu no elevador diagonal até dois nós abaixo, no mega-complexo piramidal 14. Era um edifício descomunal, com capacidade para 750.000 pessoas, apesar de não ser o maior da cidade. Com blocos de apartamentos, comércio, serviços e indústria, era uma cidade dentro da cidade. Não havia viaturas pessoais desde o fim do petróleo, cinquenta anos antes, por isso apanhou o tubular até à zona Oeste do complexo.

Enquanto ia sentado no tubular ia pensando no seu trabalho no Centro de Estudos Científicos, que ficava localizado na zona universitária, onde dava aulas e conduzia o Departamento de Investigação Espacial. Ele e a sua equipa andavam, há 4 dias, a tentar decifrar um sinal que tinham detectado. Mas os super-computadores do CEC não conseguiam decifrar aquele simples sinal. Sendo um centro científico de renome mundial, tinham, por exemplo, conseguido decifrar o sinal vindo de Orion, há duas décadas atrás, que tinha provado definitivamente a existência de mais vida inteligente no Universo. Mas agora, um sinal aparentemente tão simples estava a dar a volta aos computadores e aos génios do CEC. Era transmitido nos 20.005 Mhz e nos 40.002 Mhz, mas apesar de ser claramente perceptível, os computadores não conseguiam descortinar nenhum sinal digital reconhecível que pudesse ser interpretado de forma conclusiva. Digital, seria isso? De súbito, o seu rosto iluminou-se. Será que a resposta seria assim tão simples? Saiu no nó seguinte e apanhou o tubular de volta para a zona Leste do mega-complexo. Assim que chegou ao destino dirigiu-se ao nó 1E4, na Zona Lúdica, onde se encontrava o Museu de Tecnologia e Comunicações. Identificou-se e pediu para falar com o curador.

- É uma grande honra conhecê-lo Dr. Alexander Mack - disse o curador.

Aparentava ter cerca de 95 anos e estava, como seria de esperar, muitíssimo bem tratado. Jovial e bem disposto, via-se que os seus nanobots tinham sido bem programados para tratarem dos seus problemas de saúde. Não seriam, certamente, aquelas versões baratas que os chineses vendiam aos africanos e aos sul-americanos.

- O prazer é todo meu! – disse Mack – Lamento vir sem ter nada marcado consigo, mas ia a caminho do trabalho quando me ocorreu uma parvoíce. Andamos no CEC a tentar decifrar um sinal que apareceu do nada há quatro dias. Os nossos computadores detectam o sinal, mas não o conseguem interpretar. Ocorreu-me que pudesse ter algo que nos daria jeito para as investigações...

- Claro, tudo o que eu puder fazer para o avanço da Ciência. Mas, do que precisa de mim, a que não tenha acesso no CEC? É o Capacitador de Fluxo?

- Oh... Não, claro que não! – lançou uma gargalhada com gosto – Na realidade é uma relíquia bem mais antiga que tem aqui no museu. Lembro-me de numa visita anterior que fiz ter visto um daqueles aparelhos que eram usados no Séc. XX para comunicações sem fios, em que os utilizadores interagiam uns com os outros. Não me lembro do nome do aparelho, mas sei que durante décadas foi um sucesso. Era preciso uma licença para o usar...

- Seria um aparelho de rádio-amador? De facto temos um, mas... – replicou o curador.

- Sim, é esse mesmo! Preciso que mo preparem e enviem para o CEC de imediato. Trate do processo com o nosso departamento administrativo. Preciso do equipamento ainda antes da meia-noite.

Nem deixou o curador do museu falar, mas não era preciso. Ele não iria negar-lhe o seu pedido. Não podia. Era uma questão demasiado importante. Estava muita coisa em jogo. Correu de novo em direcção ao tubular e voltou para o CEC. Assim que lá chegou pediu aos técnicos para configurarem o gerador de energia do laboratório para 220V e uma frequência de 50Hz. Deveria funcionar.

O curador do museu tinha sido eficiente. Passadas duas horas o equipamento estava no CEC, devidamente acondicionado, entregue por um técnico escoltado por 4 seguranças fortemente armados. Era a segurança mínima exigida para um aparelho histórico como aquele. O aparato não assustou os presentes, que já estavam habituados a fortes medidas de segurança, desde que os grupos rebeldes da América do Sul tinham lançado o pânico a nível mundial como retaliação por não o seu povo não poder refugiar-se no Alasca, agora que era impossível habitar aquela zona do hemisfério sul do planeta. Como África, também a América do Sul era agora praticamente inabitável.

Depois de ligar o aparelho ao gerador de energia, carregou no botão POWER, enquanto rezava para que tudo aquilo funcionasse. Regulou o aparelho para a frequência certa e escutou. À sua volta a sua equipa olhava para ele, incrédula, à espera que algo acontecesse. Após um minuto de espera, no meio do ruído de fundo, um bip. Outro bip e depois mais outro.

O seu raciocínio confirmava-se e ele respirou de alívio. Afinal, não iam ser invadidos por alienígenas, como os neuróticos sempre agoiravam. Aqueles bips eram algo totalmente diferente. Afinal, os russos tinham ocultado, uma vez mais, em 1957, um pedaço crucial da história mundial, ao dizerem que ele se tinha destruído na reentrada na atmosfera. Uma reentrada que, afinal, nunca acontecera. E agora, por alguma anomalia electromagnética, tinha recomeçado a retransmitir. O primeiro Sputnik estava, quase 200 anos depois, a telefonar para casa.

12 de agosto de 2008 às 14:56  
Blogger R. da Cunha said...

Nota: Não é um comentário, mas uma pequena transcrição de um artigo de Desidério Murcho, no Público de hoje.
"O último livro de Nuno Crato, 'A Matemática das Coisas'" [que li, tal como a Espiral Dourada] "(Gradiva, 2008), é um prodígio de clareza e lê-se com o fresco entusiasmo da descoberta que terão todos os seres humanos adultos que não se esquecaram do prazer de descobrir. Nuno Crato alcançou um raro poder de síntese e clareza, tornando a divulgação da ciência uma arte. Como Carlos Fiolhais, Jorge Buescu e outros cientistas portugueses, Crato faz divulgação científica ao nível do melhor que se faz no mundo".
Por mim, obrigado, Prof. Nuno Crato, pela sua disponibilidade em "descer" ao nível dos jornais e de livros de um modo que (quase) toda a gente entende, numa área tão árida como a Matemática (e não só).

12 de agosto de 2008 às 19:04  
Blogger JSA said...

Gostei desta pequena história do Pedro Tomás. É sua ou transcrita da obra de Asimov ou Clarke? Só deixo umas observaçõezinhas, pode ser?

O primeiro ponto é relativamente simples: num mundo tão quente, as maiores reservas de água potável deveriam estar precisamente no mesmo sítio que estão hoje: na antártida, pólo sul. O Pólo Norte tem gelo flutuante pelo que com um aumento de temperatura tão brutal, há muito que teria derretido tudo. A Gronelândia seria uma melhor aposta, contudo. Já a Antártida é um continente gelado sobre rocha, pelo que o derretimento não provocaria o desaparecimento da água no oceano.

Suponho que o conceito NATO/Varsóvia pressuponha uma fusão entre o Pacto de Varsóvia e a NATO. Como o pacto de Varsóvia foi dissolvido em 1991, provavelmente em 2157 não teríamos tal nome.

Com temperaturas tão elevadas como as que aqui são preconizadas, duvido que ainda existissem habitantes em África. A seca por lá já é elevada o suficiente actualmente. O aumento teria provavelmente provocado a fuga do continente muito antes de 2157, creio.

Suponho que é óbvio que o Sputnik não sobreviveria nunca durante tanto tempo, anomalias electromagnéticas ou não, mas parece-me que qualquer sistema que identificasse o sinal também identificaria imediatamente que não tinha movimento sideral e estaria, portanto, a orbitar a Terra. Um qualquer telescópio poderia portanto localizar o objecto e o sinal seria rapidamente descoberto.

Ainda assim a história é engraçada. E é sempre curioso pensar numa tal janela que se abre no futuro sobre o passado. Já tinha sido isso que me tinha fascinado no primeiro filme Star Trek, em que uma das sondas Voyager regressava à Terra. O filme era fraquinho, mas aquele final compensava o resto.

13 de agosto de 2008 às 09:32  
Blogger Pedro Tomás said...

A história é minha, mas não pretendia ser cientificamente correcta, daí os erros apontados. Certamente haverá ainda mais erros que não foram apontados e que tornam a história pouco credivel.

Tal como o JSA disse num comentário acima, "Para se ser um bom escritor de ficção científica é bom que se seja um cientista"

Infelizmente não é o meu caso. Posso dizer que dos textos que escrevi, este foi o mais difícil, mas também foi o mais desafiante. É difícil (e arriscado) pensar no futuro e imaginar um mundo diferente do que conhecemos hoje.

Obrigado pelas observações, JSA.

Um abraço
Pedro Tomás

13 de agosto de 2008 às 10:36  
Blogger JSA said...

Pedro, apesar das observações que deixei, repito que gostei da história. E para quem não é cientista (apenas refere "bom cientista", mas vou arriscar dizer - mesmo que mal - que isso é só porque não é cientista), o texto está muito bem construído. Seja como for, mesmo a ficção científica tem sempre uma boa dose de especulação que pode sair furada e isso não lhe retira valor. O texto está bem escrito e até bastante bem pesquisado, na minha opinião (as frequências de transmissão do Sputnik, por exemplo, estão ali muito bem apanhadas).

Do meu lado (apesar das observações), tenho é que agradecer pelo texto, que bastante prazer me deu a ler.

Abraço e continue com esses textos,
João Sousa André

13 de agosto de 2008 às 12:56  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Prémio: ver "actualização"

16 de agosto de 2008 às 17:10  

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