29.12.08

Curtas-letragens - Prenda de Natal

Por Miguel Viqueira
ALGUÉM ME AVISOU que amanhã era véspera de Natal. Dei comigo a pensar na minha mãe velhinha, nas minhas irmãs, nos miúdos, a sós na humidade da província. Quando pude partir era já noite cerrada, chovia a cântaros, um desses temporais desfeitos que se abatem como a vingar-se de um pecado infame. O trânsito estava impossível, filas intermináveis à saída da cidade, luzes estilhaçadas no vidro em mil gotículas que me toldavam a visão, e subitamente um vulto, negro, espaventoso, que não atropelei por milagre. Estaquei o carro, descortinei um homem de braços abertos à minha frente mandando-me parar, com ar desesperado, e instintivamente abri a porta do passageiro. Antes de que pudesse dizer nada o homem entrava, esbaforido, de aspecto alucinado, ofegante, como a olhar para uma coisa que só ele pudesse ver. Estava tão encharcado que me salpicou quando se deixou cair no assento, o cabelo aciganado a escorrer-lhe pela testa e os olhos, a bichanar algo que me pareceu “que dia, que dia!”. Arrependi-me no mesmo instante mas já não havia nada a fazer, as buzinas protestavam atrás de mim, o trânsito arrancava, seguíamos agora na grande tarasca dos farolins vermelhos.
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