27.5.11

Chapeladas

Por João Paulo Guerra

O PORTUGAL político parece um caso perdido, sem remédio para os problemas por mais que deles se fale. Por exemplo: de eleição para eleição, lá vem à baila o baile decadente dos fantasmas, como os do filme de Roman Polanski. Há eleitores que efectivamente não existem mas persistem nos cadernos eleitorais, o que falseia desde logo o número de deputados por cada círculo. Porque os fantasmas têm predilecção por círculos como a Madeira e o Algarve, mas também Bragança e Vila Real. São fantasmas com inclinação para o turismo, seja ele o turismo de massas e de betão, seja o turismo bucólico do tecto de Portugal, como lhe chamava Miguel Torga.

Mas contas feitas e apresentadas ontem pela revista Visão mostram que os eleitores fantasmas não são um mero aspecto folclórico de uma democracia dia a dia mais carnavalesca. Os eleitores fantasmas, segundo a Visão, beneficiam círculos onde a direita é maioritária, em prejuízo de outros em que domina a esquerda. E assim, o resultado das eleições, numa eleição tão renhida como as sondagens deixam supor, até pode ser decidido - e falseado - pela existência de fantasmagóricos eleitores.

As eleições presidenciais do início deste ano deram apenas uma pálida amostra da balbúrdia que vai nos cadernos eleitorais. Mas a desordem é mais profunda. Penso mesmo que ninguém saberá dizer, por abstracto exemplo, se um tal senhor António Silva, do lugar de Fermentins, é ou não o mesmo que um tal senhor A. Silva, do lugar da Lombadinha. E se um tal António José Silva, das Poças, foi ou não foi desta para melhor e se foi o que anda ele a fazer no recenseamento eleitoral.

A democracia chama eleitores fantasmas a estes percalços eleitorais. Antigamente o fenómeno designava-se por chapelada. O resultado pode ser o mesmo.
«DE» de 27 Mai 11

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1 Comments:

Blogger GMaciel said...

Tendo em conta que a nossa democracia mais é um espectro da mesma, estamos todos a jogar em casa.

:(

27 de maio de 2011 às 19:51  

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