Reavaliar
Por João Paulo Guerra
COMEÇO por confessar que não vejo razão para ter grande fé que o Governo venha a inverter o processo de encerramento de escolas que se prolonga há três décadas. Mas o simples facto do ministro Nuno Crato ter mandado suspender e reavaliar o processo de encerramento de mais 654 escolas do primeiro ciclo do ensino básico significa, pelo menos, que não vê com bons olhos uma política cega de fechar escolas por fechar, sem consideração, caso a caso, das circunstâncias e contexto de cada escola ameaçada. Mais: esta decisão do ministro significa que as escolas fecham, a fechar, por uma razão precisa, boa ou má segundo o critério de cada um, mas não por uma política de extermínio de escolas que levou, num passado recente, a fechar estabelecimentos inaugurados ou melhorados há bem pouco tempo.
Tudo começou por encerrar escolas com menos de 5 alunos, depois de 10, de 15, agora tinha chegado a vez das escolas com menos de 21 alunos. O que ficou para trás, como efeito do holocausto das escolas, foi a desertificação do interior, culminando um ciclo que principiava com o fecho das escolas. Tanto se fala em proximidade, no português técnico dos políticos, e em matéria de estabelecimentos de ensino tanto se promove a lonjura, com crianças trasladadas de manhã para uma terra desconhecida, onde permanecem até à hora da camioneta para o regresso a casa. E assim foi acontecendo, até que os pais se foram mudando das aldeias para as vilas, das vilas para os subúrbios das cidades, porque é aí que existem abarracamentos escolares. Para trás foi ficando o deserto das aldeias mortas, decidido por decreto de um burocrata, rodeado de outros burocratas, a quilómetros de distância. Esperemos que a reavaliação, pelo menos, ouça pessoas.
«DE» de 5 Jul 11COMEÇO por confessar que não vejo razão para ter grande fé que o Governo venha a inverter o processo de encerramento de escolas que se prolonga há três décadas. Mas o simples facto do ministro Nuno Crato ter mandado suspender e reavaliar o processo de encerramento de mais 654 escolas do primeiro ciclo do ensino básico significa, pelo menos, que não vê com bons olhos uma política cega de fechar escolas por fechar, sem consideração, caso a caso, das circunstâncias e contexto de cada escola ameaçada. Mais: esta decisão do ministro significa que as escolas fecham, a fechar, por uma razão precisa, boa ou má segundo o critério de cada um, mas não por uma política de extermínio de escolas que levou, num passado recente, a fechar estabelecimentos inaugurados ou melhorados há bem pouco tempo.
Tudo começou por encerrar escolas com menos de 5 alunos, depois de 10, de 15, agora tinha chegado a vez das escolas com menos de 21 alunos. O que ficou para trás, como efeito do holocausto das escolas, foi a desertificação do interior, culminando um ciclo que principiava com o fecho das escolas. Tanto se fala em proximidade, no português técnico dos políticos, e em matéria de estabelecimentos de ensino tanto se promove a lonjura, com crianças trasladadas de manhã para uma terra desconhecida, onde permanecem até à hora da camioneta para o regresso a casa. E assim foi acontecendo, até que os pais se foram mudando das aldeias para as vilas, das vilas para os subúrbios das cidades, porque é aí que existem abarracamentos escolares. Para trás foi ficando o deserto das aldeias mortas, decidido por decreto de um burocrata, rodeado de outros burocratas, a quilómetros de distância. Esperemos que a reavaliação, pelo menos, ouça pessoas.
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15 Comments:
As escolas do interior com poucos meninos têm de se fechar para que eles, convivendo com outros meninos, doutros sítios, aprendam mais coisas e tenham mais oportunidades neste mundo que não pára e penaliza fortemente quem se distrai e quem se atrasa.
Recordo-me de ter visitado há décadas, ainda criança, a aldeia de meus avós, no interior, já em início de desertificação e dos poucos meninos da minha idade fugirem de mim, de olhares assustados, como se de pequenos bichos se tratassem. Não devem ter tido um futuro muito brilhante, esses meninos isolados.
A escola não serve para dar vida ao interior. A escola dá vida ao interior, mas serve para ensinar e dar oportunidades de uma vida melhor às crianças.
Falado como um verdadeiro cosmopolita.
Mas nem imagino o que dirá um Novaiorquino ou Parisiense do meu amigo Chefe sentado...
Insisto.
A felicidade das pessoas quantifica-se pela velocidade a que correm para o metro?
Pela quantidade de esquinas de arranha-céus que se conhecem?
Pela quantidade de vezes que se cruza uma das várias pontes do Tejo?
Mil vezes uma dessas casinhas aconhedoras numa encosta verde do interior, que olhar as luzes da cidade num 13º andar, através de uma janela dupla sentindo o ar condicionado.
Mil vezes comer a sopa de coves apanhadas com paciência lá fora no quintal, do que uma sandes e uma sopa em pé no Colombo...
Não tenha pena das crianças que um dia viu. Elas também têm pena dessa gente tresloucada e da vida a correr lá longe, nas cidades...
Abraço.
"Abarracamentos escolares"...
Ralmente, em muitos casos é(era) disso que se trata(va).
Como falar de meninos que se assustam ao contacto humano, como se fossem bichos, na era da internet?!
E, por acaso, relativamente a muitas pessoas citadinas, como grande parte dos nossos políticos e governantes, não eram melhor que tivessem um bocadinho mais de contenção, sentido de dignidade e (mesmo) de vergonha?
Mas, há ainda outro factor que também deixa os anciãos do interior (os que não podem, nem quereriam..., "fugir") à mercê da mais triste sorte: o encerramento dos centros de saúde.
Dizem que ficava muito caro. E que não havia muitos meios de socorro/tratamento, como se a ausência de médico fosse um benefício..., e como se a preocupação dos decisores fosse o sofrimento alheio...
Ainda voltando ao encerramento das escolas: a medida, agora ponderada, parecia ser inexorável, a não ser que algum horroroso acidente matasse dezenas de meninos nalguma curva traiçoeira, em inverno mais rigoroso. Felizmente (ainda) não aconteceu.
Corrijo, na linha sexta do comentário que fiz anteriormente, a expressão "não eram melhor" por "não era melhor".
Eu percebo. É assim uma espécie de destino.
Ide lá para vossas casinhas rústicas, com quintais transbordantes de erva fresca e animaizinhos de capoeira; apreciai os serões tranquilos, com vossos pais e avós e os assuntos da aldeia, da vaca que morreu ao parir o raio do bezerro da tia Jaquina e… sei lá que mais coisas boas que se tem ao viver na aldeia mais a sua meia dúzia de amigos, desculpe lá o termo, qual deles o mais border...
Eu percebo. E agora até é preciso voltar ao campesinato, diz o senhor presidente. Então que fiquem aqueles que já lá estão que eu só lá gosto de ir quando vou de férias matar saudades da sadia malta do campo e ver como está a freguesia.
Aliás, até tenho pena de não poder, de vez, ir já para lá viver, a sério! mas as crianças é melhor ficarem na cidade não vão ainda apanhar a febre da carraça.
Não.
Aqui há internet e telefone. Há rede de telemóvel e tv cabo.
Há teatros, cultura, bibliotecas. Daqui, vê-se Nova Iorque. Ainda que pelos mesmos meios virtuais da capital.
Não é preciso morar em Lisboa para ser gente.
O mundo cresceu. E é de um enorme provincianismo pensar o contrário.
Penso que tenho melhor qualidade de vida, trabalhando a um minuto a pé de casa, que acordando às 6h... E que saio às 19h, e vou tomar uma cerveja com amigos, ou um chá, no inverno, sem pressas, bem a tempo de ir para casa jantar.
Mas não estou aqui para convencer ninguém.
Longe de mim o provincianismo de pensar que a localidade onde habito é a melhor do mundo.
Certamente que habitar na capital também terá as suas compensações...
Diz um familiar meu que mora na capital:
- Lisboa é (apenas) a maior aldeia do país, facto habitualmente ignorado.
E digo eu: o nosso rectângulo e ilhas são diversamente iguais, melhor, "iguaizinhos". Pelo menos numa certa mentalidade. Para mal dos "nossos pecados". Como soía dizer-se.
Mas voltando ao início. A escola e as crianças da aldeia com menos de 20 colegas/amigos.
Têm net e teatro e biblioteca e parques infantis e tudo o mais que tem uma cidade de média dimensão ou uma sede de concelho?
Parece-me que as terras/aldeias do interior que falamos e vivemos não são as mesmas.
20 meninos numa escola: cinco do 1º anos, seis do 2º...( e por aí), com uma professora, em regra, destacada, longe da família, que à mais pequena constipação falta a semana inteira e deixa seus petizes de volta das galinhas lá no quintal, ou das cabras no monte, não têm grande futuro escolar e dificilmente conseguem, depois, na escola seguinte - e essa já terá de ser a da sede do concelho a vinte e trinta km -,recuperar das aulas que não teve, dos colegas que teve pouco, dos livros que pouco leu, do cimena e do teatro a que não foi, das actividades extra curriculares (inglês, desporto...)
Não será mera coincidência o facto de os melhores resultados escolares estarem directamente relacionados com as condições sócio-económicas das famílias e onde o interior sai largamente prejudicado.
Portalegre, juntamente com os outros distritos do interior, tem os piores resultados nos exames. Por que será?
Em Lx, Pt e Coimbra, estão os melhores. Por que será?
As crianças precisam de ser estimuladas para atingirem melhores resultados. É isso que os pais das grandes cidades fazem aos seus filhotes através das imensas actividades com que os assoberbam.
Mal, segundo a Vossa opinião, pois a felicidade não se mede por aí.
Então levem os Vossos filhos para as aldeias dos dez e dos vinte meninos que eu conheço. Rapidamente concluirão que há coisas que só se desejam aos filhos dos outros, liricamente.
Abraços e boa praia
Entendamo-nos:
Não se trata de levar os filhos de quem quer que seja para quaisquer aldeias... Trata-se, isso sim, de não impedir que aqueles que lá vivem tenham na sua terra as melhores condições possíveis. Tão só.
Ou alguém pensa que é por causa das condições de vida dessas pessoas que se encerram (todas) as escolas com menos de vinte meninos, assim como os centros de saúde?
Em que é que as escolas das nossas vilórias, e as "sociedades" dessas vilórias, enriquecem tanto as crianças? É por causa do cinema? Do teatro, qual? Das aulas de inglês (de qualidade) que as pessoas não podem pagar? Dos parques infantis sujos, meios podres e a cair aos bocados?
Acresce outro "pormenor": carece de análise fina a afirmação de que os alunos das escolas do interior são largamente prejudicados. Era preciso saber-se o que se verifica com a qualidade da aprendizagem de 80% (número meu) dos alunos das escolas das cidades. Só um exemplo: numa escola do ensino básico que conheço bem, com alunos do quinto ao nono ano de escolaridade, foram este ano aprovados todos os alunos do nono ano, com uma única excepção. Alguns não sabem ler nem escrever. A sério... Como é que os professores do ensino secundário vão, já no próximo Setembro, ser capazes de ensinar alguma coisa a estes alunos?
Atenção, repito:
Eu, não sou defensor de que se obrigue alguém a frequentar qualquer escola, seja do interior seja do "litoral". Mas conheço muito vivamente o que se passa nas nossas escolas para me ficar por aspectos que considero menores, e sujeitos a interesses vários, que não propriamente os das crianças e jovens. Por isso não concordo com certas decisões nem embarco em operações como, por exemplo, as da oferta de "magalhães" a todos os petizes.
Se bem que nada me admira que, alguns daqueles alunos com quem trabalho, e que não sabem ler nem escrever, venham ainda a tirar algum curso de engenharia. Sabe-se lá...
Correcção: no comentário que fiz anteriormente, no exemplo que refiro da escola básica, é preciso esclarecer que os níveis para já atribuídos não conferem a aprovação imediata, o que se fez foi proceder à alteração das classificações necessárias para que os alunos (mesmo os que tinham seis ou sete negativas) pudessem ir a exame a português e a matemática e, eventualmente, fiquem posteriormente com apenas duas negativas (não cumulativamente português e matemática), caso em que passarão.
Infelizmente, isto tem severas consequências no ensino secundário...
A não ser que... no ensino secundário se faça (e faz, em algumas escolas...) a mesma coisa.
José, não vai, com o devido respeito, ao cerne da questão.
E não são aspectos "menores".
É obvio que se devem criar todas as condições para a igualdade. Mas isso é viável nos dias que correm e com a desertificação do interior?
As pessoas não saem de lá por fecharem as escolas. Saem à procura de melhores condições de vida para si e para os seus.
Insisto. Aldeias e escolas com meia duzia de meninos na 1ª classe, e aí por diante, não lhes trás benefício algum, mas ainda fazem uma romanticas (e populares)reportagens de Tv.
A praia estava optima mas a agua fria...
Abraço
Administração:
Não creio que seja eu que não vou ao cerne da questão. Repare: o fecho das escolas não afecta (tanto) os que já saíram das aldeias, afecta (directamente) os que lá permanecem.
A quem cabe ser paternalista em relação a essas pessoas? Aos governos?
De certa forma, o problema poderia ser colocado assim: é preferível viver miseravelmente nas aldeias ou ser um miserável nas vilas ou nas periferias das cidades? Fraca escolha...
Não haverá qualquer possibilidade útil de gerir e aproveitar as nossas humildes terras agrícolas e, especialmente, as nossas florestas? Ou preferimos os matagais que em qualquer verão vão arder e "assar" (literalmente) os (últimos?) velhos do mundo rural?
Não penso que escolas com vinte meninos sejam a fonte da felicidade desses meninos. Mas também não acredito que o fecho dessas escolas e a transferência das crianças para outras mais ou menos parecidas lhes traga grandes vantagens. Para mais conhecendo eu, demasiado bem, o modo como as nossas escolas funcionam...
O problema também pode ser visto assim: como lidar com a desertificação, travando-a, no respeito pelas pessoas, ou "promovendo-a", porque a não sabemos evitar e nos arrogamos o direito de decidir o que é melhor para essas pessoas?
Sabe que hoje "muitos idosos se recusam a ir a consultas nos grandes centros urbanos" porque, "uma ida ao hospital ou ao centro de saúde torna-se um pesadelo e a solução mais fácil passa pela recusa da consulta", como se escreve na página 10, do caderno P2 do jornal "Público" do dia de ontem, sexta-feira?
É assim que vejo estes problemas que, infelizmente, não se resolvem discutindo quem apareceu primeiro, se "o ovo ou a galinha"? Por uma razão simples: a pergunta está mal colocada.
Retribuo o abraço.
E se em vez de olharmos as coisas pelo canudo da nossa visão, tentássemos ouvir o que dizem os directamente interessados na questão?
Acho piada a estas considerações sobre o que é melhor para o interior... de quem vive na cidade. Pior, deixam de ser considerações para se tornarem certezas insofismáveis.
Ora bolas!!!
Na "mouche", Graça Maciel.
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