22.10.11

Esmola e desconfiança

Por Antunes Ferreira

E NO MEIO da crise, das medidas violentíssimas de austeridade e de autoridade, concretizadas em verdadeiras agressões do Poder aos cidadãos, surge uma notícia boa. De tal modo que é legítimo que nos perguntemos se ainda estamos anestesiados ou se já começamos a esfregar os olhos. E, mais legítimo é começarmos a tentar perceber o que se passa e eliminar a dúvida que (ainda) existe.

Já se sabe que 2012 será o annus horribilibis para nós. Impostos sobem, nomeadamente o IVA, e de que maneira. Que o mesmo é dizer sobem as tarifas da electricidade, do gás, da água, sobem os transportes, sobem os restaurantes, sobem os bens alimentares, diminuem os subsídios que ainda existam, acabam-se os 14 meses de salários, enfim, a recessão sobe e por aí fora. Resumindo: estamos f…ritos.

Mas, de acordo com o semanário Sol, eis que podemos saber que a companhia mineira Rio Tinto está a preparar um investimento que rondará os 3,5 mil milhões de euros em Trás-os-Montes. Trata-se, de acordo com o jornal, «do maior projecto de investimento que já existiu em Portugal», ao qual o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, aludira no final de Setembro, durante o Prós e Contras, da RTP, sem na altura ter dado mais pormenores. A prudência parece que ainda é uma virtude.

Continua o Sol que a empresa anglo-australiana quer explorar as reservas de minério de ferro existentes na zona de Torre de Moncorvo. A concessão tinha sido adjudicada em 2008 à portuguesa MTI-Ferro de Moncorvo. Esta tem vindo a avaliar o potencial das reservas existentes na região e, efectuados os estudos, tomou a iniciativa de contactar a gigante mundial do sector mineiro, devido ao elevado investimento que será necessário efectuar.

«Não há dinheiro para investir em Portugal. A RioTinto foi escolhida por ter capacidade para suportar um investimento desta dimensão e possui tecnologia bastante avançada», publicou o Sol dando conta que a declaração provém de fonte próxima do processo. A fórmula, aliás usual, é típica de nós, os Portugueses. Com a sua utilização escuda-se contra um desmentido possível. Mas, também aqui vigora o nosso típico diz-se ou disseram-me mas não posso dizer quem. Conjugar este enigmático verbo é prática que se tornou rotineira.

Ora, como se sabe, até agora, o maior investimento efectuado no país foi realizado na fábrica de automóveis da Autoeuropa, em Palmela. Ali, em 1991, foram aplicados dois mil milhões de euros na unidade. Depois, houve projectos de grande envergadura, megalómanos até, que se esfumaram na bruma das promessas incumpridas.

O noticiário, hoje, alimenta-se de sangue, crime, manigâncias do jet set, sexo com as correspondentes trocas e baldrocas, corrupção, fugas às obrigações, colarinho branco, troca de influências, compadrio e outros que tais. Cada vez mais o aforismo «a notícia não é o cão morder no homem; é o homem morder no cão» nos é oferecido quotidianamente.

O rol das desgraças é o prato forte do que ainda se chama «informação». Jornal, rádio, televisão lutam desesperadamente pelo share, por outras palavras, pela sobrevivência. No Brasil, em tempos que já lá vão, havia um periódico, o Dia, que quando se torciam as suas páginas, pingava sangue. Eu conheci-o, com estes olhos que o forno crematório há-de esturrar até às cinzas.

Dir-se-á que o povo, essa entidade mítica que, até há pouco tempo, cheirava mal dos pés e dos sovacos – e pelo andar da carruagem pode ser que regrida a tal situação… - gosta disso e as percentagens do consumo de tais meios é elucidativa. E que é assim por todo esse desgraçado Mundo. Clara que há sempre a resposta calina: com o mal dos outros posso eu bem. Porém, é o mesmíssimo povo que também diz que quando a esmola é grande, o pobre desconfia.

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Caro Antunes Ferreira:

Esta notícia é realmente boa.
Desconhecendo nós, embora, se se vai concretizar ou não.

Que Moncorvo tem grandes reservas de minério de ferro sabem os geólogos portugueses há muitas décadas. Não que eu seja geólogo, mas ouvi-o de boca de alguns.

Nos tempos da outra senhora, a exploração não era rentável, a nível interno, porque, segundo ouvi, a siderurgia estava a centenas de quilómetros, na margem sul de Lisboa.

Eu creio que a razão estava mais na qualidade reles de quem manda(va) cá no retângulo. Então como nos tempos que levamos de democracia. Onde, ou no que, os nossos "manda-chuvas" são bons é a esbanjar o que (nós) não temos, e eles nos vão extorquindo.

Será melhor agora?
Esperemos.

22 de outubro de 2011 às 19:37  

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