A bicicleta do chimpanzé do circo
Por Ferreira Fernandes
GOSTO de ser surpreendido por sinais que, afinal, só me confirmam o que eu estou farto de saber. A crise, por exemplo, como a podia ignorar? Mas foi ontem, lendo uma pequena notícia no jornal francês Le Monde, que me convenci, definitivamente, da famigerada crise. Eis a pequena notícia que me abalou: perto de 70 por cento dos franceses estão dispostos a comprar, pelo Natal, brinquedos em 2.ª mão. Até os brinquedos de Natal, Senhor!...
A minha infância foi passada nos modestos anos 50, ainda não entrados nos tempos de prosperidade, de ilusão de cada vez mais e melhor da década seguinte. Um dia, pelo Natal, no meu bairro, São Paulo, em Luanda, desaguou um circo, espanhol e pobre, de trapezistas de meias furadas e animais famélicos. Estava no estertor, teve de haver uma colecta no bairro para dar carne ao leão, mas o circo morreu mesmo ali. Venderam a lona da tenda e a velha camioneta Chevrolet, e despacharam os animais, nunca soube para onde.
Na manhã desse Natal eu recebi o presente desejado: uma bicicleta. Mas os meus pais surpreenderam-se com a minha birra, não quis o presente: reconheci a bicicleta amarela do chimpanzé do circo.
Estamos, pois, regressados, diz Le Monde, a meio século atrás.
Resumindo: há mesmo crise. A boa notícia é que os tempos difíceis nem sempre são só o mau que parecem. Não há presente de que me lembre com tanta emoção como da bicicleta que rejeitei e nunca montei.
«DN» de 20 Nov 11GOSTO de ser surpreendido por sinais que, afinal, só me confirmam o que eu estou farto de saber. A crise, por exemplo, como a podia ignorar? Mas foi ontem, lendo uma pequena notícia no jornal francês Le Monde, que me convenci, definitivamente, da famigerada crise. Eis a pequena notícia que me abalou: perto de 70 por cento dos franceses estão dispostos a comprar, pelo Natal, brinquedos em 2.ª mão. Até os brinquedos de Natal, Senhor!...
A minha infância foi passada nos modestos anos 50, ainda não entrados nos tempos de prosperidade, de ilusão de cada vez mais e melhor da década seguinte. Um dia, pelo Natal, no meu bairro, São Paulo, em Luanda, desaguou um circo, espanhol e pobre, de trapezistas de meias furadas e animais famélicos. Estava no estertor, teve de haver uma colecta no bairro para dar carne ao leão, mas o circo morreu mesmo ali. Venderam a lona da tenda e a velha camioneta Chevrolet, e despacharam os animais, nunca soube para onde.
Na manhã desse Natal eu recebi o presente desejado: uma bicicleta. Mas os meus pais surpreenderam-se com a minha birra, não quis o presente: reconheci a bicicleta amarela do chimpanzé do circo.
Estamos, pois, regressados, diz Le Monde, a meio século atrás.
Resumindo: há mesmo crise. A boa notícia é que os tempos difíceis nem sempre são só o mau que parecem. Não há presente de que me lembre com tanta emoção como da bicicleta que rejeitei e nunca montei.
Etiquetas: autor convidado, F.F
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