30.11.11

A vocação da trapaça

Por Baptista-Bastos

O GOVERNO decidiu "suavizar" os cortes nos subsídios a pensionistas e funcionários públicos. O PS ficou muito contente e reivindicou para si o êxito do "recuo" do Executivo. Esqueceu-se, o PS, de dizer, que esteve à beira de aprovar o Orçamento. Não fora a ameaça de rebelião na sua bancada as coisas teriam sido borrascosas. O discurso socialista, no seu garbo aparente, é a banalização do disparate. O PS de Seguro não tem mais nada a dizer senão futilidades. E as migalhinhas que Passos Coelho e os seus atiram aos mais pobres dos portugueses fornecem-nos a verdadeira dimensão de um empreendimento de demolição do Estado com o reforço de uma insensibilidade social que deixou de ser simbólica. O "socialismo democrático" fez passar, com a ambiguidade cobarde da abstenção, esta nova afronta à miséria. E afundou, ainda mais, uma leitura exclusivamente de Esquerda, exigida a quem da Esquerda se reclama.

A coligação de Direita resvala, assustadoramente, para um autoritarismo cego, que nem as advertências de muita gente do seu lado conseguem demover. E o aproveitamento das federações patronais leva-nos a reequacionar a natureza da sua linguagem, cuja fria amoralidade elimina qualquer resquício de compreensão. Os movimentos da sociedade civil são ainda demasiado débeis para se esboçar os princípios de uma força que se opusesse à amplitude desta situação. A verdade, porém, é que nem uns nem outros são suficientemente livres. E os perigos configuram ameaças de magnitude, que não excluem ninguém. Ainda há pouco, o próprio Francisco Van Zeller aludia à falta de discernimento de quem governa e nos estava a levar por veredas muito arriscadas.

Não são, somente, a especulação financeira e a nebulosa a que chamam "o mercado", os fautores desta crise: a ausência de resposta ideológica que se antagonize com a monumental trapaça fortalece os desígnios dos que fortalecem esta economia criminosa. Trapaça, repito, é o que tentam inculcar, como generosa bondade, os cortes nos subsídios, sem que ninguém denunciasse a indignidade. O fatal Miguel Relvas veio dizer que essa decisão demonstrava a clemente humanidade do Governo e a inesgotável capacidade deste em promover o diálogo. Estamos em pleno cenário de hipocrisia, e a desfaçatez com que certa gente usa as palavras devia ser punida com a boca cheia de... areia.

A mentira continua a ser a regra e a honestidade a excepção. Em tempos que já lá vão, Pedro Passos Coelho, assumindo a pureza como princípio, pediu desculpa aos portugueses pelas baldrocas de José Sócrates. Parecia ter um indiscutível horror aos acontecimentos que nos circulavam. E agora, que faz ele, quando as circunstâncias são semelhantes ou piores? A vocação da sinceridade esvaziou-se nas exigências do "pragmatismo".
«DN» de 30 Nov 11

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