22.12.11

Um romance português

Por Manuel António Pina

CAPÍTULO I: Em 2004, o Governo português era, como hoje, resultado de uma coligação entre o PSD e o CDS. O primeiro-ministro era Durão Barroso; Paulo Portas era ministro da Defesa. O Governo negociou então com o consórcio alemão GSC, de que faz parte a Ferrostaal, a compra de dois-submarinos-dois para a Marinha, que custaram a módica quantia de 880 milhões, negócio que desde cedo levantou dúvidas.

CAPÍTULO II: Ontem, um tribunal alemão condenou dois ex-executivos da Ferrostaal a dois anos de prisão e ao pagamento de elevadas coimas por suborno de funcionários públicos estrangeiros na venda dos submarinos. O tribunal deu como provado que a Ferrostaal subornou o ex-cônsul de Portugal em Munique, pagando-lhe 1,6 milhões de euros para que ele propiciasse "contactos com o Governo português".

CAPÍTULO III: Em Portugal corre também no DCIAP, desde 2006, um processo sobre o negócio por indícios de tráfico de influências, financiamento partidário ilegal e corrupção. Em meados do ano, estava parado "por falta de meios". Fora-lhe atribuído um só magistrado, que acumulava com outros processos; as traduções da documentação enviada pelas autoridades alemãs continuavam por fazer; ainda não tinham sido nomeados os peritos necessários ao prosseguimento da investigação...

Final feliz: Durão Barroso é hoje presidente da Comissão Europeia e Paulo Portas voltou ao Governo e é agora ministro dos "Negócios Estrangeiros".
«JN» de 21 Dez 11

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3 Comments:

Blogger Bmonteiro said...

Final duplamente 'feliz'.
Um país que se viu sujeito à miserável deserção do seu PM,
com uma Academia que o chama para o título da praxe.
Uma Academia de elevada qualidade, ao nível da bancarrota do país.
A bem da Nação.

22 de dezembro de 2011 às 18:05  
Blogger José Batista said...

E temos o Manuel António Pina.
O Manuel António Pina veio. Antes do Natal. É, obviamente, um presente. Um presente dos bons.
Obrigado Manuel António Pina. Obrigado Carlos Medina Ribeiro.
Ainda não li o "post", vou lê-lo de seguida. Mas vim aqui porque acabava de ler uma crónica de Manuel António Pina. Sobre o Natal. E trouxe-a roubada. Trouxe-a para aqui. Fica bem aqui.

Leiam:

«A memória de Natal que me é pedido que partilhe é, não de um, mas de 11 dolorosos natais, os de 1963 a 1974.

Em 1963, meu irmão mais novo, em desacordo com a Guerra Colonial, recusou-se a comparecer à inspecção militar e fugiu clandestinamente para França. Meus pais e eu pensámos que nunca mais o veríamos. O regime de Salazar parecia eterno e as guerras nas colónias africanas constituíam o centro, praticamente exclusivo, da política do país. Daí que a deserção (a situação de meu irmão não era rigorosamente de deserção, pois não chegara a ser incorporado mas, em termos militares, era afim) fosse o mais grave dos crimes, punível mesmo, se em teatro de operações, com a pena de morte.

Além disso, a deserção lançava uma sombra de permanente suspeita política sobre a própria família do desertor, pelo que meus pais receavam nunca vir a ser autorizados a sair de Portugal para visitar meu irmão. Eu próprio, quando, em 1972 ou 1973, depois de cumpridos quase quatro anos de serviço militar e já jornalista, fui encarregado de um trabalho de reportagem na Alemanha, encontrei dificuldades quase insuperáveis para obter passaporte, o que só acabou por ser possível após responsabilização pessoal do director do "JN", Pacheco de Miranda, pelo meu regresso.

Esse primeiro Natal sem o meu irmão (de quem não tivemos, durante meses, notícias senão uma vez, através de um emigrante de Braga seu conhecido que, tendo vindo de férias, nos procurara para nos dizer que ele encontrara trabalho como "voyeur de nuit" e pedia que lhe enviássemos comida e algum dinheiro) foi, por isso, triste e sem palavras. Minha mãe levantava-se de vez em quando da mesa e ia chorar longamente para a cozinha; meu pai esperava um pouco e, depois, levantava-se também e ia buscá-la, regressando ambos em silêncio.

Minha mãe pôs o prato e os talheres de meu irmão e, quando trouxe o bacalhau e as batatas, serviu-lhos. Tudo aquilo se me afigurava patético e doentio, mas também eu chorava por dentro. A certa altura, como a cadeira vazia de meu irmão se encontrava um pouco afastada, minha mãe levantou-se para aproximá-la da mesa e, nesse momento, fingi que precisei de ir à casa de banho e deixei correr livremente as lágrimas.

Nos 10 anos seguintes, na nossa ceia de Natal houve sempre um prato e talheres na mesa para uma ausência presente. Até 1974.»

Onde a roubei? Roubei-a aqui: http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=43834

Espero que ele não se importe. Tenho a certeza de que não se importa.

Obrigado outra vez.

Agora (já) vou ler o "post".

22 de dezembro de 2011 às 19:36  
Blogger José Batista said...

Sobre o "post":

Está visto que a corrupção foi dos alemães. Que cá não há disso. E repare-se que é a própria "união (?) europeia" que o confirma: mais burroso menos burroso. Quem terá criado involuntariamente o termo foi um intelectualóide americano chamado bush.
Estamos portanto bem entregues, aos nossos governantes, às nossas leis, aos nossos legisladores, aos nossos corpos judiciais e, claro, a instâncias internacionais como a (des)união europeia, onde tão utilmente se esforçam patrícios nossos.

22 de dezembro de 2011 às 19:49  

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