O Português Deles
Por Maria Filomena Mónica
DECIDI cortar relações com o Estado. Quando recebo um documento emitido por uma entidade oficial cujo significado não entendo, meto-o numa gaveta, a que chamei arquivo morto. Suspeito que, num país em que se aceita o silêncio como acordo tácito, acabarei presa.
Eis que, no meio desta luta, recebo um TED interessante. Podem vê-lo em: http://www.ted.com/talks/sandra-fisher-martins-the-right-to-understand.html#.Trax9lu7BFI.blogger. A jovem apresentadora, Sandra Fisher-Martins, relata como, em 1996, estando a viver em Inglaterra, recebera um extracto bancário, no qual vinha um logótipo indicando ter sido aquele «redigido em linguagem clara». No final, apelava a que os cidadãos exigissem dos serviços públicos que lhes explicassem tudo tim-tim-por-tim-tim. Quem diz serviços públicos, diz igualmente advogados, médicos ou juízes. Falava da «iliteracia» dos portugueses, mas hoje o problema não reside tanto nela, mas na forma como os dirigentes se nos dirigem.
Há alguns anos, o Presidente da Fundação Ciência e Tecnologia (FCT), veio ao meu instituto, tentando saber como víamos aquela organização. Pus logo o dedo no ar, explicando-lhe que a minha primeira exigência era o fim dos formulários que a sua Fundação obrigava os investigadores a preencher, acrescentando que nunca me daria ao trabalho de lhe pedir um subsídio, por não entender a linguagem usada. Como ele tinha sentido de humor, respondeu-me que havia uma solução: pedir-lhe uma bolsa, de curta duração, a fim de aprender a falar como eles. A nossa conversa terminou ali.
Não se trata de uma questão linguística, mas de uma atitude do poder político. Acabo de receber um daqueles papeluchos com picotado, emanado da Direcção Geral dos Impostos, em que me era anunciado o seguinte: «Através das funcionalidades disponíveis no Portal das Finanças, o Sujeito Passivo (sic), MFCGM (eu), NIF xxxx, procedeu à entrega da Declaração de Alteração de Actividade dessa entidade (?), a qual foi processada e aceite centralmente, tendo-lhe sido atribuída a seguinte identificação (seguia-se um número).» Imaginando que somos todos peritos na NET, dizia-me ainda o Director-Geral que, caso tivesse dúvidas, deveria consultar www.portaldasfinanças.gov.pt. A carta terminava: «Sempre que lhe for solicitado o comprovativo legal de entrega da declaração, deverá apresentar esta carta juntamente com o documento a obter, por impressão através da opção ´Início/Os Seus Serviços/ Obter/Comprovativos/Actividade/Alteração de Actividade´». Será que o Estado exige que eu ande acompanhada desta prosa? Aliás, se passámos a ter de fazer tudo através da NET, em que se ocupam os funcionários daquela Direcção Geral?
Os portugueses devem inscrever-se já na campanha «Claro», dirigida pela Sandra. A esta, os meus parabéns. Tenho ainda de louvar o BES por ter elaborado «O Primeiro Dicionário de Banquês-Português», consultável em b-a-bes.com. As entidades públicas não fariam mal em seguir o exemplo deste banco privado.
«Expresso» de 17 Mar 12DECIDI cortar relações com o Estado. Quando recebo um documento emitido por uma entidade oficial cujo significado não entendo, meto-o numa gaveta, a que chamei arquivo morto. Suspeito que, num país em que se aceita o silêncio como acordo tácito, acabarei presa.
Eis que, no meio desta luta, recebo um TED interessante. Podem vê-lo em: http://www.ted.com/talks/sandra-fisher-martins-the-right-to-understand.html#.Trax9lu7BFI.blogger. A jovem apresentadora, Sandra Fisher-Martins, relata como, em 1996, estando a viver em Inglaterra, recebera um extracto bancário, no qual vinha um logótipo indicando ter sido aquele «redigido em linguagem clara». No final, apelava a que os cidadãos exigissem dos serviços públicos que lhes explicassem tudo tim-tim-por-tim-tim. Quem diz serviços públicos, diz igualmente advogados, médicos ou juízes. Falava da «iliteracia» dos portugueses, mas hoje o problema não reside tanto nela, mas na forma como os dirigentes se nos dirigem.
Há alguns anos, o Presidente da Fundação Ciência e Tecnologia (FCT), veio ao meu instituto, tentando saber como víamos aquela organização. Pus logo o dedo no ar, explicando-lhe que a minha primeira exigência era o fim dos formulários que a sua Fundação obrigava os investigadores a preencher, acrescentando que nunca me daria ao trabalho de lhe pedir um subsídio, por não entender a linguagem usada. Como ele tinha sentido de humor, respondeu-me que havia uma solução: pedir-lhe uma bolsa, de curta duração, a fim de aprender a falar como eles. A nossa conversa terminou ali.
Não se trata de uma questão linguística, mas de uma atitude do poder político. Acabo de receber um daqueles papeluchos com picotado, emanado da Direcção Geral dos Impostos, em que me era anunciado o seguinte: «Através das funcionalidades disponíveis no Portal das Finanças, o Sujeito Passivo (sic), MFCGM (eu), NIF xxxx, procedeu à entrega da Declaração de Alteração de Actividade dessa entidade (?), a qual foi processada e aceite centralmente, tendo-lhe sido atribuída a seguinte identificação (seguia-se um número).» Imaginando que somos todos peritos na NET, dizia-me ainda o Director-Geral que, caso tivesse dúvidas, deveria consultar www.portaldasfinanças.gov.pt. A carta terminava: «Sempre que lhe for solicitado o comprovativo legal de entrega da declaração, deverá apresentar esta carta juntamente com o documento a obter, por impressão através da opção ´Início/Os Seus Serviços/ Obter/Comprovativos/Actividade/Alteração de Actividade´». Será que o Estado exige que eu ande acompanhada desta prosa? Aliás, se passámos a ter de fazer tudo através da NET, em que se ocupam os funcionários daquela Direcção Geral?
Os portugueses devem inscrever-se já na campanha «Claro», dirigida pela Sandra. A esta, os meus parabéns. Tenho ainda de louvar o BES por ter elaborado «O Primeiro Dicionário de Banquês-Português», consultável em b-a-bes.com. As entidades públicas não fariam mal em seguir o exemplo deste banco privado.
Etiquetas: FM
1 Comments:
Concordo inteiramente com Maria Filomena Mónica.
Mas, por onde se devia começar, obrigatoriamente, era pela redação das leis.
Por um lado, são muitas e muitas vezes contraditórias.
Mas o "legislês" em que estão escritas é simplesmente inqualificável.
Inqualificável, mas propositado.
Suponho eu.
E se pensar nas capacidades de leitura dos portugueses: crianças, jovens ou adultos que sejam, mais me convenço de que é intencional.
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