Ainda falta muito?
Por Rui Tavares
VAI DIZER-SE hoje que o panorama político da Europa mudou. Mas que quer isso dizer?
Que significa, em França, a vitória de
François Hollande? De início, e não é nada pouco, significa uma derrota
de Sarkozy, e portanto uma machadada na figura política e quase-mítica a
que se chamou Merkozy — o misto da chanceler alemã Merkel com o
presidente francês Sarkozy. Mas seria ingénuo pensar que, por si só,
isto pudesse mudar a política europeia. A própria realidade económica
alemã, que tem beneficiado escandalosamente com as dificuldades dos
outros países europeus, contribuiu para criar uma mentalidade teimosa,
arrogante e soberba que não é exclusiva de Merkel: qualquer ideia alemã,
por estúpida que seja, tem hoje direito ao “amén” europeu, mesmo que
ninguém acredite no que diz; qualquer ideia não-alemã, por genial que
seja, não passará pela barreira da incredulidade germânica. Não é
possível governar a Europa desta maneira, mas não é possível ainda
governá-la de outro modo.
As eleições gregas são o exemplo maior
deste dilema. À primeira vista, o quadro político parecerá
revolucionado. Logo depois, ver-se-á que ainda não é possível fazer nada
com ele. Os jornalistas estrangeiros, atreitos a simplificações,
falarão da subida dos extremos. Pouca gente reparará que a Esquerda
Radical, grande vencedora das eleições, é um Bloco de Esquerda — mas que
quer entrar no governo. E pouca gente reparará na existência de um
pequeno partido, a Esquerda Democrática, que é anti-troica mas
pró-Europa. Está na natureza destas crises que o nosso ponto-cego tapa
precisamente o nó que é preciso desatar.
Escreveu o comunista italiano Antonio
Gramsci, quando estava na prisão onde viria a morrer, que “uma crise
consiste precisamente no facto de que o que é velho já morreu e o que é
novo não consegue nascer; nesse interregno, aparecem toda uma série de
sintomas mórbidos”.
O que se passa com esta crise, desde o
seu início, é que toda ela é a manifestação das dores de parto de uma
outra Europa. E, como talvez dissesse Gramsci, a velha Europa sufoca a
nova de uma maneira que talvez não a deixe nascer.
A crise, na sua manifestação europeia,
começou há dois anos. E, na melhor das hipóteses, precisaríamos de mais
dois ou três anos para a levar de vencida — e depois disso, dez anos
para recuperar e reconstruir.
Em primeiro lugar, precisamos de uma
coisa que hoje mal se entrevê: a existência de um euro-progressismo que
recuse o consenso absurdo da austeridade mas que saiba construir um
discurso político novo, unificando elementos sociais, ecológicos e
libertários, num quadro de verdadeira democracia europeia. Precisamos de
pôr essas ideias cá fora e de preconizar uma reforma da política
europeia feita pelos cidadãos.
Ganhar eleições na França, na Grécia, ou
até na Alemanha em 2013, poderá ajudar a enterrar o que é velho,
certamente. Mas não fará nascer o que é novo: para isso precisaremos de
um governo europeu eleito democraticamente que possa pilotar uma longa
mas sustentável recuperação económica.
Ainda falta muito, e temos pouco tempo — mas precisávamos deste primeiro passo.
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