Isto anda tudo ligado (*)
Por Baptista-Bastos
HÁ ALGO de destemperado e de soberbo nas palavras e nos actos de Pedro
Passos Coelho. Parece que o chefe do Governo atina pouco com os
princípios democráticos, e os imbróglios em que se envolve tornam-se
cada vez mais intrincados. Horas depois de ser apupado na Feira do Livro
o enredo desenrola-se, desta feita com o caso das "secretas."
Anteriormente, causara espanto e repulsa ao dizer que o desemprego cria
oportunidades, e que o despedimento não é estigma. Não há inocência
nestas afirmações. Há, isso sim, o símbolo de uma força que se julga
sólida e estável. Acontece com todos os que possuem uma concepção
autoritária do poder. Um livro recente, O Eterno Retorno do Fascismo, de
Rob Riemen (Edições Bizâncio), explica a ambivalência das democracias
actuais, e pode esclarecer, por reflexo, o perfil do primeiro-ministro.
Mas
a verdade é que Passos Coelho é, de certa forma, a imagem devolvida do
que somos. Os nossos defeitos advêm das características submissas e da
revolta surda que essas características nos provocam. O medo atávico e a
superstição convivem, não tão estranhamente quanto parece, com o desejo
de liberdade e o receio da própria liberdade. Passos aprendeu a lidar
com isso. Descobriu que os nossos medos eram os seus medos. Facilmente
se verifica que o primeiro-ministro é um homem inseguro. Antes de
Riemen, um filósofo hoje esquecido e, até, desprezado, Wilhelm Reich (La
Psychologie de Masse do Fascisme), explicou o que está por detrás do
fenómeno do autoritarismo e da pessoalização do poder.
A ideia de
"chefe" está muito presente neste Governo, que se afirma, apoiado nas
eleições, como resultado de uma só vontade e sob o efeito de uma
ideologia averiguadamente autoritária. Mas a soberba e o destempero do
primeiro-ministro e a doutrina em que se escora dificilmente se
implantariam num terreno social e cultural, como o nosso. Tem sido o
erro histórico deste Governo. Apesar de tudo, tomámos o gosto de ser
livres ou de beneficiar de uma certa liberdade, e os resquícios do
salazarismo (mesmo que reconfigurados em "democracia") não são
totalmente favorecidos por nós. Apesar de tudo.
Contudo, a
degradação da democracia, nascida das nossas indecisões, encontrou,
neste Governo[,] terreno propício a disseminar-se. A troca do essencial
pelo acessório é uma banalidade corrente. Anteontem, as televisões
transmitiam, em directo, o discurso de Eduardo Lourenço a agradecer o
Prémio Pessoa. Um texto que merecia ser seguido com atenção e proveito.
Foi interrompido, abruptamente, porque Paulo Bento ia revelar os
nomeados para a selecção portuguesa de futebol. Creio haver algo de
errado nesta substituição. É por este preço que pagamos as nossas
pessoais negligências e a natureza deformada das nossas escolhas. De
facto, isto anda tudo ligado.
(*) - Eduardo Guerra Carneiro
-«DN» de 16 Mai 12
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1 Comments:
"Anteontem, as televisões transmitiam, em directo, o discurso de Eduardo Lourenço a agradecer o Prémio Pessoa. Um texto que merecia ser seguido com atenção e proveito. Foi interrompido, abruptamente, porque Paulo Bento ia revelar os nomeados para a selecção portuguesa de futebol."
DEPOIS DE LER A CRÓNICA, FIQUEI CONVENCIDÍSSIMO QUE FOI O PASSOS COELHO QUEM MANDOU INTERROMPER O DISCURSO.
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