3.5.12

O Pingo Doce e os corvos-marinhos

Por Ferreira Fernandes
GUILIN, no Sul da China, é o lugar mais belo onde já fui, as aguarelas fazem-lhe justiça. 
Em Guilin vi a mais dura das metáforas. À noite, no rio Li, os pescadores saem em jangadas de bambu e levam cormorões, corvos-marinhos, aos quais atam o longo pescoço com um fio. O pássaro mergulha, apanha um peixe e atrapalha-se, não consegue engolir, sufoca. O pescador iça o cormorão para a jangada, tira-lhe o peixe da garganta estreitada pelo fio. O cormorão, aliviado, olha grato o pescador que o vai explorar outra e outra vez. Entre uma e outra, o dono dá-lhe um pedaço de peixe, uma promoção de 50 por cento. 
Eu conhecia os cormorões de uma canção, Siracusa, que Yves Montand canta como ninguém, e, claro, dos desenhos em Corto Maltese. Mas o olhar explorado e grato dos corvos-marinhos de Guilin vai acompanhar-me pela vida. 
Como poderia eu criticar os homens e mulheres que foram anteontem ao Pingo Doce? Seria como criticar os anões que aceitam entrar em concursos de lançamento. E eu quantas vezes engoli o que não queria, ao contrário (e igual) da metáfora do cormorão? 
Mas o protagonista desta história é quem fez a asneira (se calhar nem intenção houve) de humilhar num dia que foi conquistado para o respeito. Por isso, na crónica de ontem, falei da fundação ligada ao Pingo Doce (porque quem faz fundações não pode fazer lançamentos de anões) e falei do Dia de Natal (porque há dias especiais, esse e outros, na vida dos homens). 
«DN» de 3 Mai 12

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