19.5.12

«Serviços Secretos» obscenos

Por Antunes Ferreira
OBSCENO, para além de patético, o caso das secretas é obsceno. E de alguma forma, do que se vai sabendo sobre as ligações multilaterais que se verificaram, pode-se concluir que até é pornográfico. Um senão, apenas: enquanto em 1972, nos Estados Unidos, o «Deep Throat», entre nós o «Garganta Funda», revolucionava o cinema porno, por cá a garganta deixou de ser funda, bem pelo contrário, ainda que se tente fazer engolir as mais diversas versões dos mais diversos personagens.
Mas, como é sabido, não se trata de mais um descabelado filme produzido nos estúdios da quase malograda Tóbis, ali ao Lumiar. É uma peça teatral? Um drama ou uma comédia? Nada disso. É uma caricatura de um dos muitos 007 que encheram os ecrãs durante anos. Ian Fleming saberia o que fazia ao criar James Bond? Muito provavelmente tinha a intenção de, mas por certo não imaginaria a dimensão mundial que o agente do MI-6 viria a ter. O público tem reações que a reação desconhece. É como escrevia Monsieur Blaise Pascal: o coração tem razões que a própria razão desconhece.
Os Serviços Secretos à portuguesa são, pelos vistos, mas sobretudo pelo que vai vindo a público, mais um exemplar que ficará na história do anedotário nacional. Desde a PVIDE, passando pela famigerada PIDE/DGS, até ao caos hodierno em que são mais do que as mães, tudo tem acontecido às organizações da intelligence deste cantinho o mais ocidental da Europa, e que Tomás Ribeiro cantou como um jardim à beira-mar plantado. O poeta, veja-se, também era político, o que não quer dizer, absolutamente, que todos os poetas sejam políticos – e o prejuízo para quem o é – muito menos que todos os políticos sejam poetas. No entanto, na maioria das vezes, parecem, arremedem.
O disse que não disse mas que eles sabem que disse mas desdisse é comum nestas coisas hiper sigilosas de tais serviços. E quando a mostarda sobe ao nariz e se zangam os compadres descobrem-se muitíssimas verdades – alegadamente secretas. As trocas de informações são na verdade trocas de influências. Nesta nossa terra de cantigas de escárnio e de maldizer, as coisas refinam sempre – para o pior. É o caso. Eu sei disto o que julgo que tu não sabes, donde informo-te a troco de. É assim desde que o primeiro homem desceu da árvore, dirão.
É mesmo, responderão. Porém, em Portugal o troco é mesquinho, porque uma grande fatia de nós, os Portugueses, é mesquinha. É medíocre, porque nós, os Portugueses, somos medíocres. É um tanto masoquista escrevê-lo. É um cilício, é uma autoflagelação? Será, mas as verdades devem ser ditas, por mais que façam doer a quem as diz.
A segurança nacional fica posta em causa, porque fica exposta? Mas o que é a segurança nacional no nosso torrão natal? Se um chefão saiu da organização que tutela e engloba os espiões – militares, civis, eclesiásticos, administrativos, industriais, et aliud – e volta à sua condição de homem normal (com o pedido de desculpas ao Presidente Hollande), devia mesmo voltar a ser um homem normal. De boas intenções está o inferno cheio. Um espião nunca deixa de ser espião.
Porém, quando esse trânsito é apenas um passo mais para a continuidade da prestação de informações e põe em causa o próprio Governo – trata-se, como todo este arrazoado, de hipótese meramente académica e não provada em Parlamento – algo está podre no reino da mentira, ou seja no reino lusitano.
E fica-se perante o provável e possível comentário do FBI, da CIA, da FSB, ex-KGB, do MI5 e de uns quantos mais. «Portugal intelligence? It’s a joke…»

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