«Serviços Secretos» obscenos
Por Antunes Ferreira
OBSCENO, para além de patético, o caso das secretas é
obsceno. E de alguma forma, do que se vai sabendo sobre as ligações
multilaterais que se verificaram, pode-se concluir que até é pornográfico. Um
senão, apenas: enquanto em 1972, nos Estados Unidos, o «Deep Throat», entre nós
o «Garganta Funda», revolucionava o cinema porno, por cá a garganta deixou de
ser funda, bem pelo contrário, ainda que se tente fazer engolir as mais
diversas versões dos mais diversos personagens.
Mas, como é sabido, não se trata de mais um descabelado
filme produzido nos estúdios da quase malograda Tóbis, ali ao Lumiar. É uma
peça teatral? Um drama ou uma comédia? Nada disso. É uma caricatura de um dos
muitos 007 que encheram os ecrãs durante anos. Ian Fleming saberia o que fazia
ao criar James Bond? Muito provavelmente tinha a intenção de, mas por certo não
imaginaria a dimensão mundial que o agente do MI-6 viria a ter. O público tem reações
que a reação desconhece. É como escrevia Monsieur Blaise Pascal: o coração tem
razões que a própria razão desconhece.
Os Serviços Secretos à portuguesa são, pelos vistos, mas
sobretudo pelo que vai vindo a público, mais um exemplar que ficará na história
do anedotário nacional. Desde a PVIDE, passando pela famigerada PIDE/DGS, até
ao caos hodierno em que são mais do que as mães, tudo tem acontecido às
organizações da intelligence deste cantinho o mais ocidental da Europa, e que Tomás
Ribeiro cantou como um jardim à beira-mar plantado. O poeta, veja-se, também
era político, o que não quer dizer, absolutamente, que todos os poetas sejam
políticos – e o prejuízo para quem o é – muito menos que todos os políticos
sejam poetas. No entanto, na maioria das vezes, parecem, arremedem.
O disse que não disse mas que eles sabem que disse mas
desdisse é comum nestas coisas hiper sigilosas de tais serviços. E quando a
mostarda sobe ao nariz e se zangam os compadres descobrem-se muitíssimas
verdades – alegadamente secretas. As trocas de informações são na verdade
trocas de influências. Nesta nossa terra de cantigas de escárnio e de maldizer,
as coisas refinam sempre – para o pior. É o caso. Eu sei disto o que julgo que
tu não sabes, donde informo-te a troco de. É assim desde que o primeiro homem
desceu da árvore, dirão.
É mesmo, responderão. Porém, em Portugal o troco é
mesquinho, porque uma grande fatia de nós, os Portugueses, é mesquinha. É
medíocre, porque nós, os Portugueses, somos medíocres. É um tanto masoquista escrevê-lo.
É um cilício, é uma autoflagelação? Será, mas as verdades devem ser ditas, por
mais que façam doer a quem as diz.
A segurança nacional fica posta em causa, porque fica
exposta? Mas o que é a segurança nacional no nosso torrão natal? Se um chefão
saiu da organização que tutela e engloba os espiões – militares, civis,
eclesiásticos, administrativos, industriais, et aliud – e volta à sua condição
de homem normal (com o pedido de desculpas ao Presidente Hollande), devia mesmo
voltar a ser um homem normal. De boas intenções está o inferno cheio. Um espião
nunca deixa de ser espião.
Porém, quando esse trânsito é apenas um passo mais para a
continuidade da prestação de informações e põe em causa o próprio Governo –
trata-se, como todo este arrazoado, de hipótese meramente académica e não
provada em Parlamento – algo está podre no reino da mentira, ou seja no reino
lusitano.
E fica-se perante o provável e possível comentário do FBI, da
CIA, da FSB, ex-KGB, do MI5 e de uns quantos mais. «Portugal intelligence? It’s
a joke…»
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