Os Ricos São Diferentes
Por Maria Filomena Mónica
TENHO andado a
pensar nos ricos e conclui que, mais do que inveja, me provocam perplexidade.
Na famosa discussão entre F. Scott Fizgerald e E. Hemingway, era o primeiro –
que dizia que os ricos eram diferentes - que tinha razão. Os ricos são
diferentes, não apenas por possuírem mais dinheiro, mas por terem uma atitude especial
perante a vida.
Conheço melhor os velhos do que os novos ricos, mas o que
vou dizer aplica-se a todos, embora com mais exactidão aos primeiros. Criada
entre algumas das mais poderosas famílias do país, pude observar o seu
comportamento e sei que formavam uma casta à parte. Lembro-me de quão austera
era a educação que davam aos filhos e, em geral, quão comedido era o consumo
doméstico. A ostentação era tida como uma possidoneira de quem recentemente
havia adquirido dinheiro. Não recordo um único adolescente – e estou a
referir-me àqueles que possuíam os apelidos que o dr. Cunhal gostava de citar
como inimigos de classe – a quem tenha sido oferecido um carro aos 18 anos. As
festas que davam eram tão comedidas quanto a indumentária. Eu não pertencia bem
a este «grupo» – muitos tinham antepassados que provinham da aristocracia de
Corte - mas nunca me trataram com desprezo. Só tarde, e por me ter doutorado em
Sociologia, percebi que o meu estatuto era o de uma híbrida social: pertencia e
não pertencia ao «grupo». Isto, que me podia ter feito sofrer, teve uma
vantagem: a de poder olhar os ricos por dentro e por fora. Sem ressentimentos,
nem ódios. Com alguns forjei até uma amizade que ficou para a vida: foi num
deles que depositei um dos mais bem guardados segredos da minha vida.
Claro que o conceito de
riqueza é relativo. Para uma pessoa frugal como eu, quem dispõe de um salário anual
de 300.000 euros, é, por definição, muito rico. São estes indivíduos que me
suscitam curiosidade. A interrogação que surge no meu espírito de cada vez que
noto os salários auferidos por Eduardo Catroga, António Mexia, Zeinal Bava e
António Borges prende-se com a forma como gastam o dinheiro. Comprada uma boa
casa, uns quadros modernaços e um automóvel topo da gama, que mais podem
desejar? Barcos a motor, férias no Nilo, amantes de luxo? Notem que não os
estou a criticar, mas a tentar perceber o seu comportamento.
Eu gosto de ser rica –
suponho que por ganhar quase dez vezes o salário mínimo é assim que tenho de me
considerar - porque o dinheiro me dá liberdade. Sei-o, porque já fui rica, já
fui pobre, já fui remediada e agora sou, de novo, rica (apesar de o actual governo
ter cortado 40% do salário que recebo). É a experiência que me leva a afirmar
que é melhor ser rica do que pobre, não só pela razão, evidente, de não ter de
passar fome, mas porque a condição me dá a possibilidade de fazer o que me
apetece, de criticar os governos e de afirmar o que me vem à cabeça. Aos ricos,
tudo lhes é dado, incluindo a possibilidade de ser independente. É pena que a
não aproveitem mais vezes.
«Expresso» de 23 Jun 12
«Expresso» de 23 Jun 12
Etiquetas: FM
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