Preocupações de um homem preocupado
Por João Paulo Guerra
EM JANEIRO de 2010, três semanas depois de ter
feito constar aos portugueses que estava muito preocupado com o desemprego em
geral, e com o desemprego dos jovens em particular, o chefe de Estado
promulgou as alterações que agravaram o regime de atribuição do subsídio de
desemprego. Foi a antecipação da cavalgada contra o emprego: começava então a
ser mais fácil e barato para os patrões despedir e mais em conta para o Estado
suportar o desemprego. Aritmética de mercearia, que não tem em conta que os
desempregados significam menos receitas para o Estado.
Noutros tempos, Belém falava com o
primeiro-ministro ou mandava mensagens aos governos. Agora, Belém dá conta das
suas preocupações aos portugueses, diretamente ou com indiretas ao Governo
através do Facebook. Com a regularidade suficiente para que os
portugueses saibam que o chefe de Estado está preocupado, muito preocupado ou
apreensivo.
E preocupado com quê?
Com a falta de "gente",
o desemprego, a situação de natalidade e fecundidade, os offshore, o alheamento
dos jovens e a venda de ilusões na politica, os efeitos da austeridade, a
criminalidade violenta, a subida da gasolina, as negociações internacionais
sobre alterações climáticas, o interior desertificado, as novas formas de
pobreza, o combate à pobreza, “preocupado e triste” com a situação do país, que
a crise atinja as crianças, com o processo “Face Oculta”, os “interesses dos
portugueses”, a “impaciência" dos cidadãos, o “desprestígio da classe
política”, a sua própria situação de pensionista, o caráter explosivo que pode
revestir a situação social em tempos que podem ser “insuportáveis”, os tempos
eventualmente “insuportáveis”, a coesão social, a carência alimentar de alguns
portugueses, os filhos de casais desempregados, o nível das exigências da
Troika à banca, a política de contratações no futebol português, o elevado
défice comercial no sector alimentar, os sacrifícios que sejam “em vão”, um
eventual adiamento de decisões sobre a crise europeia, as alterações
introduzidas no regime do estado de sítio e do estado de emergência, “muito
preocupado” com a coesão social e as consequências sociais da crise, com o
facto de haver cada vez mais portugueses a morrer do que a nascer, o desemprego
dos enfermeiros, a imagem do País, o crescimento da extrema-direita na UE, o
facto de cada vez mais portugueses pretenderem emigrar, a situação de Espanha,
a crise na banca espanhola, a situação financeira do País, etc., etc., etc.
São preocupações justas. Injusto,
ou no mínimo ingrato, é que os portugueses deem tantas preocupações a quem
tanto se preocupa com eles.
Acontece que apesar de tão
assoberbado com tantas preocupações, o chefe de Estado não usa os seus poderes
para acabar com tanta preocupação.
A esta hora o chefe de Estado já
estará preocupado com a próxima preocupação.
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1 Comments:
Na aldeia onde nasci dizem do senhor presidente da república que é uma "abécula".
Aquela palavra não faz parte do meu léxico e não sei o que significa, mas não é coisa boa.
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