Bicas, perdão, dicas para fugir à multa
Por Ferreira Fernandes
QUANDO saí do café, o homem, engravatado e educado, abordou-me: "Boa tarde, sou da AT, Autoridade Tributária e Aduaneira..." Eu, que nisto de diálogos com as autoridades tenho muito ano, desviei a conversa: "O senhor desculpe-me, mas como é que AT quer dizer Autoridade Tributária e Aduaneira?" Mas ele, também com muito ano, não atou nem desatou: "Mostre-me a fatura, por favor." E eu: "Fatura, não tenho." Ele: "Mas tem de ter, tomou café." Eu: "Não tomei, não." Ele, que a sabe toda: "O senhor entrou no café e como consumidor final tem de pedir fatura." Eu: "Mas qual consumidor? E final? De onde é que me conhece para me chamar consumidor final?! Entrei no café para aquecer." Ele: "O senhor está a obtemperar..." Eu sabia, ponham uma autoridade tributária a fazer de gnr e ele fica logo a falar como um gnr... Fugi para a frente: "Exijo uma lavagem ao estômago para ver se há cafeína." Olhei para o interior do café e vi as saquetas de publicidade: "E tem de ser Delta! Porque ainda devo ter resíduos do Nespresso que tomei em casa..."
O tributário hesitou, guardou o papelinho da contraordenação (é o que eu dizia, é assim que eles chamam à multa) e mandou-me seguir. Fiquei a vê-lo a caçar outro cliente. Este estava tramado, ainda mastigava o croissant...
Dali até à esquina, fui pelo passeio sempre a fazer sinais de luzes aos consumidores finais que iam em sentido contrário.
«DN» de 14 Fev 13 Etiquetas: autor convidado, F.F
2 Comments:
Uma divertida e certeira crónica, a pretexto de uma aberração. Que pena vê-la redigida numa outra aberração: o desgraçado Aborto Ortográfico.
Mas, tudo visto, um país que aguenta um AO90, aguenta os fiscais de uma AT, à cata da facturinha do café.
Ai aguenta, aguenta!
Vai ser interessante, no próximo Verão, "exigir" a factura da bola de Berlim, da língua da sogra ou do Cornetto, pedidos em pleno areal, sentado na toalha de praia. Pedir a factura e esperar o(a) senhor(a) fiscal (decerto ostentando belo "bronze", óculos de sol de boa marca e calção e banho ou bikini estampados com o logotipo de tão prestimosa autoridade).
Mas em boa verdade o mais certo é não haver dinheiro para tão excessivos devaneios - claros sinais de "vida acima das nossas possibilidades" -, de modo que o problema é bem capaz de nem se colocar.
Costa
Trata-se de mais uma das inúmeras leis da treta com que nos inundam a pachorra.
Veja-se quanta gente foi multada por...
...nadar com a bandeira vermelha hasteada, não apanhar os dejectos do cão, fazer marquises de alumínio, atravessar fora das passadeiras, não declarar as galinhas e os patos, vender álcool a menores de 16 anos, grafitar monumentos nacionais, etc. etc.
Notícias destas, no entanto, não são ingénuas: ao porem toda a gente a discuti-las, funcionam como manobra de diversão para coisas mais graves.
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