25.9.17

U S U R P A Ç Ã O

Por Joaquim Letria
Escrevo esta crónica para — diante de todos vós como minhas testemunhas — rogar ao meu ilustre e querido Director o favor de retirar de futuras publicações o ápodo de Jornalista com que adorna o meu nome.
Não é que eu não o tivesse sido e não me enchesse de orgulho ser aquela a minha profissão, a qual exerci nos quatro cantos do mundo e para organizações de grande proeminência, poder e alcance, mas a verdade é que não trabalho como jornalista desde que devolvi a carteira profissional ainda no século passado.
Todavia, pensava eu que tal como as putas, os padres, os polícias e os bombeiros, ser-se jornalista se nos agarrava à pele, não nos largando até ao fim da vida. Descobri que não há nada mais falso!
Deixem-me contar-vos as razões deste pedido que para muitos pode ser insólito. Foi no início deste século que um jornal de Lisboa entendeu fazer-me uma entrevista sobre a minha vida. Sob uma fotografia com que ilustrava a prosa, escreveu ”Joaquim Letria, Jornalista”.
Pouco tempo depois recebi uma carta registada duma coisa oficial conhecida por “Comissão da Carteira”, onde alguns juristas e outros tantos jornalistas ganhavam as avenças com que lhes premiavam a vida de bastidores. Não vos vou incomodar com o arrazoado da carta, de teor jurídico. Digo-vos só que me acusavam de “usurpação de funções” e me ameaçavam com uma coima de alguns milhares de euros e um processo-crime dos quais um advogado amigo teve de fazer o favor de me livrar, pondo as coisas no devido lugar. Tudo isto por outros me terem chamado “jornalista”, na legenda da tal fotografia.
Mas não ficaram por aqui aquelas criaturas! Como na entrevista eu falava duma rádio na Austrália e dum jornal americano onde ainda, episodicamente, colaborava, deram-se ao incómodo de os notificar, comunicando-lhes que eu não era jornalista, o que muito divertiu uns, que me conheciam do Vietnam e outros com quem fizera amizade na Palestina, uns e outros antigos camaradas de profissão em circunstâncias e tempos muito difíceis...
Soube mais tarde que tão prestimosa iniciativa se ficava a dever a certos “boys” de serviço, entre os quais um homúnculo e um andróide que tiveram que ver com um partido que concorrera ao sindicato dos jornalistas quando eu ali viria a ser presidente eleito por larga maioria e com o apoio dos comunistas, tudo quando ninguém pensava na possibilidade da geringonça. Um já entregou a alma ao criador e o outro aboletou-se com um lugar num conselho de administração duma empresa pública, donde não há quem o tire.

Portanto, meu querido Manso Preto, não me ponha a usurpar funções e mantenha-me longe daquela pestilência. Chame-me só pelo nome, ou se me quiser qualificar não me chame “Professor Universitário”, o que seria verdadeiro mas demasiado pomposo para meu gosto. Se tiver de ser, talvez possa acrescentar ao meu nome a qualificação de “técnico de ideias gerais”, de que não desgosto de todo e pela qual espero que não venha ninguém nos incomodar!
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Publicado no Minho Digital

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4 Comments:

Blogger SLGS said...

Gostei! Só faltam nomes, mas também percebo que é exigir demais. É preciso muito cuidado com os "homúnculos e os andróides"-

25 de setembro de 2017 às 16:53  
Blogger 500 said...

Há gentalha muito pequenina.

25 de setembro de 2017 às 18:20  
Blogger Ilha da lua said...

Que mesquinhice!!!Ainda nos admiramos,por estarmos no pelotão de trás!Joaquim Letria JORNALISTA(assim se deveria escrever)

25 de setembro de 2017 às 19:12  
Blogger José Batista said...

Entristece e revolta. Mas não espanta. O nosso rectângulo é muito mal frequentado.

26 de setembro de 2017 às 19:01  

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