U S U R P A Ç Ã O
Por Joaquim Letria
Escrevo esta crónica para — diante de todos vós como minhas testemunhas
— rogar ao meu ilustre e querido Director o favor de retirar de futuras
publicações o ápodo de Jornalista com que adorna o meu nome.
Não é que eu não o tivesse sido e não me enchesse de orgulho
ser aquela a minha profissão, a qual exerci nos quatro cantos do mundo e para organizações
de grande proeminência, poder e alcance, mas a verdade é que não trabalho como
jornalista desde que devolvi a carteira profissional ainda no século passado.
Todavia, pensava eu que tal como as putas, os padres, os
polícias e os bombeiros, ser-se jornalista se nos agarrava à pele, não nos
largando até ao fim da vida. Descobri que não há nada mais falso!
Deixem-me contar-vos as razões deste pedido que para muitos
pode ser insólito. Foi no início deste século que um jornal de Lisboa entendeu
fazer-me uma entrevista sobre a minha vida. Sob uma fotografia com que
ilustrava a prosa, escreveu ”Joaquim Letria, Jornalista”.
Pouco tempo depois recebi uma carta registada duma coisa
oficial conhecida por “Comissão da Carteira”, onde alguns juristas e outros
tantos jornalistas ganhavam as avenças com que lhes premiavam a vida de
bastidores. Não vos vou incomodar com o arrazoado da carta, de teor jurídico.
Digo-vos só que me acusavam de “usurpação de funções” e me ameaçavam com uma
coima de alguns milhares de euros e um processo-crime dos quais um advogado
amigo teve de fazer o favor de me livrar, pondo as coisas no devido lugar. Tudo
isto por outros me terem chamado “jornalista”, na legenda da tal fotografia.
Mas não ficaram por aqui aquelas criaturas! Como na
entrevista eu falava duma rádio na Austrália e dum jornal americano onde ainda,
episodicamente, colaborava, deram-se ao incómodo de os notificar, comunicando-lhes
que eu não era jornalista, o que muito divertiu uns, que me conheciam do
Vietnam e outros com quem fizera amizade na Palestina, uns e outros antigos
camaradas de profissão em circunstâncias e tempos muito difíceis...
Soube mais tarde que
tão prestimosa iniciativa se ficava a dever a certos “boys” de serviço, entre
os quais um homúnculo e um andróide que tiveram que ver com um partido que
concorrera ao sindicato dos jornalistas quando eu ali viria a ser presidente eleito
por larga maioria e com o apoio dos comunistas, tudo quando ninguém pensava na
possibilidade da geringonça. Um já entregou a alma ao criador e o outro
aboletou-se com um lugar num conselho de administração duma empresa pública,
donde não há quem o tire.
Portanto, meu querido Manso Preto, não me ponha a usurpar funções
e mantenha-me longe daquela pestilência. Chame-me só pelo nome, ou se me quiser
qualificar não me chame “Professor Universitário”, o que seria verdadeiro mas
demasiado pomposo para meu gosto. Se tiver de ser, talvez possa acrescentar ao
meu nome a qualificação de “técnico de ideias gerais”, de que não desgosto de
todo e pela qual espero que não venha ninguém nos incomodar!
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Publicado no Minho Digital
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Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
4 Comments:
Gostei! Só faltam nomes, mas também percebo que é exigir demais. É preciso muito cuidado com os "homúnculos e os andróides"-
Há gentalha muito pequenina.
Que mesquinhice!!!Ainda nos admiramos,por estarmos no pelotão de trás!Joaquim Letria JORNALISTA(assim se deveria escrever)
Entristece e revolta. Mas não espanta. O nosso rectângulo é muito mal frequentado.
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