Corredoira e Agueiros
Por A. M. Galopim de Carvalho
As praias são entidades instáveis. Quando a vaga incide obliquamente ao litoral, a areia retirada e reposta pelo vaivém das ondas vai migrando, em ziguezague, numa trajectória serreada, com uma resultante paralela à linha de costa, no sentido que as condições locais ditarem, referida entre os profissionais por "deriva litoral". Também apelidada de longitudinal ou longilitoral, a deriva é conhecida entre as nossas gentes do mar por "corredoira".
Na costa portuguesa, no litoral arenoso entre Espinho e o Cabo Mondego, atingido por ondulação maioritariamente do quadrante NW, a deriva tem o sentido N-S e é da ordem de grandeza de um a dois milhões de metros cúbicos de areia por ano (1 a 2.106 m3/a). Na costa algarvia, esta cifra é bem menor, dez a cem vezes inferior, sendo aí W-E o sentido da deriva. O cabedelo da foz do Douro e a restinga de Troia, por exemplo, têm orientação meridiana e apontam para Norte, em consequência do sentido N-S da deriva que aí se faz sentir.
Quando a ondulação se aproxima perpendicularmente ao litoral (nesta situação, a rebentação é paralela à costa) formam-se "correntes de retorno" ou "agueiros", que deslocam os sedimentos para o largo (impedindo a deriva longilitoral), espalhando-os na plataforma continental e/ou permitindo-lhes o escape para os grandes fundos, através dos canhões submarinos. No caso das praias assim expostas à vaga, a linha do litoral é uma sucessão de reentrâncias, em forma de crescente, com a parte côncava virada ao mar. Sempre que a linha de rebentação é paralela à costa, não há, praticamente, deriva. As correntes nestas praias afastam-se do litoral, pelo que constituem grande perigo para os banhistas.
Uma praia pode manter-se, crescer, recuar ou ser totalmente varrida pelo mar, consoante o balanço que aí se estabelecer entre a erosão e a sedimentação. Nestes termos, uma praia minimamente estabilizada indica uma situação de equilíbrio entre a quantidade de sedimentos que recebe de terra (das arribas ou através dos rios) ou do mar (através das ondas e da deriva litoral) e a que lhe é retirada pelo mesmo mar.
O litoral arenoso comporta-se, pois, como um “rio de areia” que corre ao longo da costa, mais ou menos veloz, transportando maior ou menor carga sólida. Com uma parte emersa (praia emersa) e outra submersa (praia submersa), o litoral arenoso mantém-se enquanto os sedimentos, que recebe de “montante”, compensarem os que perde para “jusante” e para o largo. Esta mobilidade conduz a perfis transversais de Verão (perfil de acalmia ou de calmaria), com declive mínimo, diferentes dos de Inverno (perfil de temporal), de mais alta energia, mais abruptos e com roturas de declive.
granulometria dos depósitos de praia varia, igualmente, com a energia disponível. Assim, em condições de acalmia, ao muito pouco declive da face da praia associam-se as areias mais finas. Pelo contrário, o aumento de energia subtrai-lhe os detritos mais finos, deixando os mais grosseiros (areão e cascalho), uma situação compatível com maiores declives da face da praia.
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