25.9.20

OS ACTOS TRESLOUCADOS

 Por Joaquim Letria

Quando eu comecei a trabalhar nos jornais a censura não deixava publicar notícias sobre suicídios. Portugal ficava assim um País de gente feliz que se não matava.

Havia no entanto uma fórmula adoptada por todos os periódicos para noticiarem suicídios, compreendida por todos os que escreviam e por aqueles que liam e que a censura permitia. E nesta solução era evidente que a culpa cabia por inteiro às vítimas do suicídio.

A fórmula era muito simples. Bastava dizer-se, desprendidamente e sem pormenores, que “fulano fora vítima dum tresloucado acto”. Mesmo assim, o número de suicídios era naturalmente controlado, não podia haver um excessivo número de “tresloucados actos”...

Parece ridículo, mas por ironia pode dizer-se que noticiar suicídios passou a ser “uma conquista de Abril”.  Hoje podemos todos falar de suicídios, discutir a eutanásia e “o suicídio assistido” e não ligar excessiva importância quer a uma coisa, quer a outra. Quem os queira praticar deixou de ser “tresloucado”.

Com muitos e bons amigos no Alentejo, habituei-me ao longo da vida a aí ouvir muitos dos que acabariam por não resistir às tremendas dificuldades da vida naquela província com a possibilidade de se suicidarem. Foi aí que aprendi a expressão, que naturalmente eu contrariava, ”isto só se resolve com um baraço ao pescoço". Infelizmente muitos cumpriram a ameaça e outros cumpriram-na sem pré-aviso.

Falo-vos deste assunto hoje por ser surpreendido agora mesmo por uma campanha de prevenção do suicídio, por parte do Ministério da Saúde que além do COVID e das falhas do SNS ainda arranja tempo para se dedicar a este tema. Diz o Ministério da Dra. Marta Temido que o objectivo desta campanha é “reduzir a taxa de suicídio em Portugal e juntar toda a sociedade nesta missão”.

O Sistema Nacional de Vigilância de Mortalidade (que confesso que não sabia que existia) anuncia, a propósito, que até esta semana se suicidaram 368 pessoas, concluindo que 90 por cento dos suicidas o fizeram por perturbação mental, especialmente por depressão, maleita considerada o principal factor de risco. Lá vamos parar ao tresloucado acto…

Dizem os responsáveis da campanha do Ministério da Saúde que “há uma opção que é pedir ajuda”. Penso eu  que os que se matam o fazem por ninguém os ajudar. Não será assim?!

Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

É assim caro Letria. Mas, no nosso país, por alturas de cada desgraça, falamos sempre, e muito, em procurar soluções para os problemas crónicos que ostensivamente e desde sempre reclama(va)m soluções. Até nos cansarmos de nos ouvirmos e ficarmos miserandamente calados. Para voltarmos a idênticos falatórios quando novos desastre se repetem.
E assim sucessivamente.
Não sei se é por isso que somos o país mais antigo da Europa...

26 de setembro de 2020 às 22:08  

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