27.8.24

O PREÇO DA BORREGA


Por A. M. Galopim de Carvalho

Dito assim, cruamente, o “preço da borrega” era o custo da virgindade de uma adolescente, pago geralmente à mãe da jovem, pelo dono da herdade, pelos favores sexuais que ele esperava que ela lhe prestasse.

Contava a minha mãe que um dado lavrador, bem conhecido na cidade, senhor de muitas terras, viúvo, mas ainda com forças para se mexer, combinara com a mãe de uma jovem trabalhadora, levá-la para casa a pretexto de ela ali trabalhar como criada de servir, como então se dizia. A velha criada, ainda do tempo da falecida, dizia ele, já só tinha forças para tratar da cozinha. 

A mãe da rapariga não desconhecia os propósitos do lavrador, mas a tradicional pobreza que então ainda se vivia nos campos do Alentejo era muita e jogava a favor do patrão. Uma dúzia de conto de reis foi quanto a mãe da rapariga terá recebido pela “honra” da filha, contava a minha mãe. Meses a fio sem trabalho, vivendo do que a terra lhes oferecia e da generosidade da venda, na aldeia, onde os fiados não paravam de crescer (só amortizados depois da ceifa, da apanha da azeitona ou da tiragem da cortiça, quando tal tinha lugar), ter menos uma boca a comer em casa e contar, todos os meses, com o ordenado daquela filha, já era uma ajuda a não desperdiçar.

Com a jovem em casa, o lavrador tinha artes de a seduzir e, num caso ou noutro, em que a jovem engravidasse, havia de encontrar, entre os seus trabalhadores, um homem que a quisesse por mulher. Por essa aceitação o “felizardo” recebia, do patrão, uma casa para morar, entre as muitas que havia no monte, mais um pedaço de terra para cultivar, uma parelha de mulas, uns dinheiritos para começar a vida e a promessa de apadrinhar a criança.

Afilhados dos grandes senhores da terra, nesses anos, dizia a minha mãe, tinham atrás de si uma história deste tipo, vinda de tempos antigos e continuada por alguns terratenentes sobre as suas criadas, uma realidade que se reporta até aos primeiros anos do século que passou.

Ficcionei este drama em “O Preço da Borrega”, na antiga Editorial Notícias, em 1995, com duas reedições na Âncora Editora. Agostinho da Silva, meu amigo, nos últimos anos da sua vida, e Vergílio Ferreira, que conheci enquanto professor no Liceu de Évora, encorajaram-me a publicá-lo. Natália Correia leu-o, gostou, classificou-o de etnografia ficcional e estava a tentar que alguém dos seus conhecimentos o aceitasse para passar ao cinema, quando a morte a surpreendeu.

Foi pena, porque o tema merecia a divulgação que o cinema dá.

Enviei um exemplar ao António-Pedro Vasconcelos, que me escreveu a agradecer, sem, contudo, me dizer se o leu ou não.

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1 Comments:

Blogger 500 said...

Já vem a caminho.

6 de setembro de 2024 às 16:12  

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