7.7.08

A Nova Época da Cassa

Por Manuel João Ramos
NOS PAÍSES EUROPEUS onde foi introduzida, a chamada “carta por pontos” foi bem recebida e contribuiu para a redução dos comportamentos de risco na estrada. A expectativa do governo e da ANSR é que o novo “produto” tenha em Portugal o mesmo efeito mágico.
O governo português decidiu renovar a licença de condução e por isso fez o mesmo de sempre: copiou o que se faz lá fora.
Com o Decreto-Lei 113/2008 de 1 de Julho, o Governo da República alterou o Código da Estrada, para agilizar os processos de cassação da licença de condução e preparar a introdução da nova "carta por pontos".
Por omissão, este Decreto-Lei permite uma limpeza administrativa dos ficheiros da ANSR, fazendo com que os processos de contra-ordenação pendentes desde 2005, que arriscam ser prescritos, não contem para o histórico da dita "carta por pontos".
O governo volta assim a não assumir a responsabilidade das consequências nefastas do seu acto de extinção atabalhoada da DGV.
E fica a sensação, pelo momento escolhido, de um jogo de spinning governamental.
Porquê? Porque ocorre na semana em que as forças policiais vêm anunciar mais uma “greve de zelo às multas”, e em que ficámos a saber que estão por processar 6.500.000 de coimas (não, não se trata de uma gralha: são mesmo 6 milhões e meio).

Mais uma vez, a mensagem que os condutores recebem é que a lei não é para cumprir, que basta esperar para que as multas prescrevam, e que a infracção compensa.
É perverso querer mudar as coisas começando tudo o zero. Até porque há três consequências previsíveis da futura introdução da “carta por pontos”, e do seu corolário que é o aumento exponencial do número de cassações da licença:
1) uma fiscalização ineficaz por parte das forças policiais em revolta, por esta altura já totalmente desmotivadas por anos de trabalho inútil a processar milhões de coimas e processos-crime que acabam por prescrever por incapacidade administrativa da DGV/ANSR;
2) o aumento do número de condutores a circular sem licença de condução e sem seguro válidos, aumentando o nível de risco e de sentimentos de impunidade na estrada.
3) o aumento da conflitualidade social e ainda maior entupimento dos tribunais.
Auto-convencidos pela sua própria retórica propagandística, o ministro da administração interna e o presidente da ANSR tendem a qualificar as opiniões dissidentes e cépticas de vozes de “velhos do Restelo”. Mas não estamos, neste domínio, à procura de novos caminhos para a Índia.
Sabendo como o Estado tem falhado rotundamente nas suas políticas de segurança rodoviária (basta lembrar que nenhum dos planos governamentais de segurança rodoviária produzidos na última década entrou em funcionamento), os cépticos cidadãos portugueses têm o direito de, como de S. Tomé, querer ver para crer – certos que o Dr. Rui Pereira não é o Messias.
Mas não desanimemos: tenhamos esperança de que a partir de agora a maioria da população comece a considerar as infracções graves ao volante aquilo que de facto são: comportamentos anti-sociais.

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2 Comments:

Blogger R. da Cunha said...

Remendos e fumaça.

8 de julho de 2008 às 00:19  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

30% das multas da EMEL não são pagas. E só me admira que a percentagem não seja maior, pois toda a gente sabe que, se não as pagar não lhe sucede nada. A menos que, eventualmente, tenha dístico de "Residente" e isso fique registado algures.

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Um vizinho meu, que é multado com frequência, não se inibe de, à vista de toda a gente, fazer uma "bolinha" com o papel da multa e deitá-lo fora...
Fá-lo há anos, ostensivamente, e não lhe sucede rigorosamente nada.

8 de julho de 2008 às 09:40  

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