30.12.08

Pandemias e Pânicos

Por Maria Filomena Mónica
SOU UMA LEITORA ÁVIDA de tudo o que a doenças diz respeito. Pela manhã, entretenho-me a anotar os perigos que me confrontam na eventualidade de ter de sair à rua: os pólenes que me fazem espirrar, o CO2 que me impede de respirar, o fumo dos cigarros que me dá cabo dos pulmões. Mesmo quando fechada na minha cave, tal é a panóplia de alimentos supostamente perigosos que não posso estar sossegada. Comer sanduíches de atum fará mal? O vinho tinto será saudável? O sal constituirá um perigo?
Tudo isto é agravado pelas modas que ciclicamente atravessam a Medicina: ainda não tinha seis anos quando, sem razão evidente, me tiraram as amígdalas; aos dez, sem qualquer evidência científica, encheram-me o estômago de óleo de fígado de bacalhau; aos vinte, durante um parto complicado, o obstreta utilizou um par de ventosas posteriormente declaradas perigosas; aos quarenta, os cirurgiões quiseram tirar-me o útero, prática hoje considerada uma mutilação; aos cinquenta, receitaram-me uma pílula para contrariar os efeitos da menopausa, logo contestada por uma parte significativa da comunidade clínica.
Como se isto não bastasse, há agora as pandemias. Quando, há três anos, visitei a Turquia, ia a tremer de medo com a possibilidade de me cruzar com um peru infectado pela «gripe das aves». Uma vez em casa, esqueci o passaroco doente, o que foi fácil, dado o tema ter desaparecido da primeira página dos jornais. Eis que, há dias, a Subdirectora-Geral de Saúde apareceu na televisão para nos avisar que ela, a pandemia, está a chegar e que, provocada pelo vírus H5N1, «tem todo potencial (note-se o termo) para se adaptar aos humanos». A Dra. Graça Freitas anunciou ainda existirem poucos meios de tratamento, pelo que se iriam verificar muitas baixas. Uma pessimista, recordei o número – 60 milhões – de mortes ocorridos durante a chamada gripe espanhola (1918/9). De novo, fiquei apavorada. Isto não pode continuar: os responsáveis pela saúde pública têm de perceber que a sua missão não é assustar os cidadãos, mas protegê-los de perigos reais.
Junho de 2007

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